São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lei judaica impede a exumação do corpo

da Reportagem Local

Para David, 78, e Eva Iavelberg, 73, pais de Iara, a condenação de sua filha pela religião judaica é mais dramática do que o não-reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, da eventual responsabilidade pela morte da militante.
No judaísmo, o suicídio é considerado o pior dos crimes. Como a versão oficial da morte de Iara foi de que ela se matou, a militante foi enterrada na ala destinada aos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo.
"O maior desejo de meus pais é de serem enterrados ao lado da filha", disse à Folha Samuel Iavelberg, 52, irmão de Iara.
Vinte e seis anos depois, a "desonra" que pesa sobre Iara é motivo de controvérsia dentro da comunidade judaica de São Paulo.
De um lado, estão a família da militante e o presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, Henry Sobel, 52. De outro, a direção da Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, responsável pela administração dos cemitérios judaicos existentes na cidade.
Desde que surgiu a versão de que Iara teria sido atingida por uma rajada de metralhadora, a família decidiu fazer uma nova perícia.
A Sociedade Cemitério Israelita, no entanto, vetou a exumação, proibida pelas leis judaicas.
Os três irmãos de Iara -Samuel, Raul e Rosa- procuraram, então, o rabino Sobel, que apoiou a decisão. Samuel e Raul também atuaram contra o regime militar e estavam exilados em 71, ano da morte de Iara.
"Segundo as leis judaicas, o morto deve ser deixado em paz", afirma Sobel. "Mas existem exceções e, embora não haja menção a um caso como esse, a meu ver, como presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, trata-se de restaurar a dignidade de uma pessoa enterrada como criminosa."
"Minha interpretação é diferente da de meus colegas ortodoxos", disse Sobel, considerado da ala mais liberal do judaísmo, referindo-se aos responsáveis pela Sociedade Cemitério Israelita.
A reportagem procurou a sociedade e foi informada de que apenas o vice-presidente, Milton Zlotnik, teria condições de falar sobre o assunto. Ele está viajando e só volta no dia 8 de setembro.
Segundo ele, a Sociedade Cemitério Israelita, o rabinato e a família foram omissos quando, em 71, enterraram Iara sem uma perícia independente. "Houve omissão, talvez pelo impacto emocional ou pelo medo generalizado que havia na época", afirmou Sobel, que chegou ao Brasil em 1970 e também assume a culpa pela omissão.
Em 1975, o rabino não cometeu a mesma falha e determinou que o jornalista Wladimir Herzog -também judeu e encontrado morto, no DOI-Codi em São Paulo, como se tivesse se enforcado- fosse enterrado em ala nobre do cemitério.
"Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado", afirmou.
De acordo com Samuel, o corpo de Iara não foi nem mesmo lavado antes do enterro, num ritual chamado "tehara", obrigatório na religião judaica.
"A sociedade já abriu uma exceção em 71. Por que não abrir outra agora?", diz.
Segundo Samuel, seus pais aceitaram a versão do suicídio porque estavam "traumatizados". "Meu irmão e eu estávamos no exílio. Eles não podiam fazer nada", diz.
Mesmo com a intervenção de Sobel, a Sociedade Cemitério Israelita não autorizou a exumação. Agora, a família vai tentar obtê-la na Justiça. "As leis religiosas terão de se submeter às leis do país", afirmou Samuel. Segundo Aton Fon Filho, um dos advogados contratados pela família, "a lei permite a exumação quando há interesse da família ou quando existem motivos que justifiquem nova perícia". (OD)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.