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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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HORA DO PARTO

Grávidas da campanha têm "paciência de mãe" com Lula

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Mulheres que participaram de um programa da campanha presidencial de Lula gravado em setembro do ano passado; elas, que naquela época estavam grávidas, agora aparecem com seus filhos



Mulheres da propaganda eleitoral petista fazem críticas, mas dizem que nove meses é pouco tempo e acreditam em melhora do país


PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL A MARINGÁ

O governo Luiz Inácio Lula da Silva entra amanhã em seu nono mês. Já é hora de parir alguma coisa, a se aceitar uma das metáforas mais repetidas pelo presidente, a de que governar se assemelha a gerar e a criar filhos.
Os brasileiros aguardam com "paciência de mãe" que haja mudanças, na definição de uma das 30 grávidas que participaram no horário eleitoral gratuito da inserção de maior repercussão da campanha eleitoral de 2002.
A Folha entrevistou no Paraná 21 participantes daquela propaganda petista -batizada de "as grávidas de Lula"- para perguntar, nove meses depois, o que nasceu de novo do novo governo, parido a partir da pregação da necessidade de mudança.
"É preciso paciência. Paciência de mãe, porque o governo está engatinhando. Tem de esperar o último ano, os últimos meses para saber se mudou ou não. Tem de ter esperança", afirma Juliane Souza e Silva França, 26, professora por formação e que aparecia no comercial com Gabriela, hoje com dez meses, ainda no ventre.
A paciência esperançosa de Juliane parece estar em sintonia com o pensamento da maior parte dos brasileiros até aqui, segundo pesquisa Datafolha divulgada hoje, que aponta um leve crescimento na aprovação do governo.
O petista queria vencer a eleição já no primeiro turno. Na reta final, o publicitário Duda Mendonça criou e escreveu uma tentativa de arregimentar os votos necessários para driblar o segundo turno.
Tendo como trilha musical o "Bolero" do compositor francês Maurice Ravel (1875-1937), cerca de 50 pessoas, entre modelos, mães, crianças e grávidas, todas de branco, caminhavam num campo de trigo, sob vento, sol forte e dia claro. Lula era vento a favor (esperança) e céu de brigadeiro (segurança) -essa era a mensagem que Duda queria veicular.
Ao fundo, só identificado nas duas últimas frases, o compositor Chico Buarque dizia: "Você não pode escolher se o seu filho será menino ou menina. Não pode escolher a sua altura nem a cor dos seus olhos, muito menos o que ele vai ser quando crescer. Mas uma coisa você pode escolher: que tipo de país você quer para ele".

Grávidas falsas
O brasileiro ainda espera a mudança prometida. É fato. Mas nem tudo é o que parece. Por exemplo, naquele 17 de setembro em que o comercial foi gravado, algumas "grávidas" tinham barrigas falsas, feitas de enchimentos.
"Colocaram uma barriga de espuma em mim. Ficou como seu eu tivesse oito meses de gravidez", afirma a modelo Cecília Martins Lima Maebara, 20.
O vento a favor veio de megaventiladores levados aos campos de trigo da fazenda Maringaense, do agropecuarista Antonio Pedrini, um simpatizante do PT de Maringá, no Paraná.
"O governo está deixando a desejar. Prometeu muitas coisas e não está cumprindo, como na questão do emprego. Em vez de aumentar, diminuiu", avalia a estudante de direito Maíra Ramos Mello, 19, eleitora de Serra no primeiro turno e de Lula no segundo e que também aparecia com uma barriga falsa na TV.
"Ainda há muita fome. Em termos de saúde, tinha de melhorar mais. É uma calamidade. Mas tenho otimismo. Vai melhorar com certeza. Pelo menos, ele está tentando", afirma a dona-de-casa Maria Aparecida Gotardo, que apareceu na propaganda prestes a dar à luz Émile Júlia, hoje com nove meses.

Filmagem com cachê
Cada participante recebeu cachê entre R$ 25 e R$ 40 por nove horas de gravação (das 10h às 19h). Coube ao produtor Cauê atender à exigência quase feliniana da criação do comercial de reunir dezenas de grávidas.
Como os campos de trigo de Maringá foram escolhidos como a locação ideal, o produtor Caiê Rinaldini recorreu a uma agência local, a D'Models, para ajudar a selecionar as participantes da gravação em quatro dias.
Na pressa, Caiê e a agência chamaram 30 gestantes, escolhidas entre conhecidas dos funcionários e uma lista de grávidas atendidas pelos postos de saúde da periferia de Maringá, cidade administrada pelo PT.
"Não bastava estar grávida. Tínhamos ainda de escolher pessoas que representassem a miscigenação brasileira, além de um perfil variado de idade e profissões", diz Aneli Töebe, que dirige a D'Models em Maringá com Berenise Töebe.
Foi assim que chegaram até a empregada doméstica Maria do Socorro Cardoso Patriale, grávida de sete meses de Carlos Daniel.
A participação no comercial fez com que Maria do Socorro, até então indecisa, optasse por votar em Lula.
"Não sei falar por que exatamente, mas as pessoas têm mais é de mudar", declara.
Pouca gente reconheceu a doméstica na propaganda. "Fiquei mais para o fundo. Não estava lá na frente com as outras", justifica.
No dia em que conversou com a Folha, Maria do Socorro aguardava ser chamada no posto de saúde municipal para uma consulta de Carlos Daniel. "Tem muita coisa que tem de ser mudada: saúde e emprego", afirma.
Com salário de R$ 240, Maria do Socorro alinha-se à maioria paciente. "Não sei se meu filho vai ter um país melhor. Estou realmente sem saber. Tem de esperar. Nada é assim tão depressa. Mas gostaria de ter um emprego melhor o quanto antes."
Maria Aparecida e Juliane estão fora do mercado de trabalho por opção. Querem se dedicar aos filhos pequenos.
Juliane já tem traçado o que pretende para daqui a dois anos. "Quero fazer algum concurso público. Tenho de ter algo que me dê estabilidade", diz ela, sem se importar com as mudanças no funcionalismo público promovidas pelo governo. Vanessa Colli, que tem uma loja de peças para motocicletas, afirma que não pode se queixar do rumo de seus negócios.
"Mas as pessoas estão comprando menos. No meu caso, as vendas têm crescido devido à tendência do mercado. Mas, no geral, o pessoal reclama e compra menos", diz ela, na semana em que o IBGE divulgou que a produção industrial brasileira está há dois trimestres encolhendo (-1,6% de abril a junho).
"Só escuto reclamação. Na avenida da minha loja, há salões para alugar, mas ninguém quer abrir coisa nenhuma", declara.
Outra participante do comercial, Laura Cristina Gonçalves Dias, 35, dona de um bufê infantil, completa as reclamações. "Como empresária, não vi muita mudança no governo Lula. Prometeram que iriam baixar impostos, mas isso não aconteceu até agora. Mas vamos ver. Em nove meses não dá para ter uma resposta, só dá para ter um filho mesmo", diz ela, que não estava grávida, mas foi escolhida para ocupar uma das cotas de "mulher madura bem-sucedida" do comercial.

Social
A secretária Adriana Valéria Vieira, 28, que surge nas imagens com o filho Murilo no colo, define-se como petista, mas critica a atuação social do governo.
"Sempre fui PT. Sei que, em nove meses, não dá para ter muito resultado. É pouco tempo. Lula deve priorizar a educação e a saúde. Hoje, acho que está mal. O Fome Zero também não resolve muita coisa. As famílias carentes deveriam receber o dinheiro diretamente", declara, defendendo o programa de renda mínima aos moldes do proposto pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
A bióloga Tatiana Vanessa Soria, 25, bióloga -mãe de Rafael, que aparecia no comercial com a estrela do PT nas mãos- foi outra militante petista que participou da gravação. "Lula está consertando o que os outros fizeram. Fez muita coisa que os outros deixaram de fazer, como a reforma da Previdência, em que ele botou a cara e fez", opina.
Maria Aparecida Gotardo diz que o marido a repreende até hoje quando vê invasões no campo promovidas pelo MST. "É culpa do PT, ele me diz. Não gostou que eu votasse no Lula. Diz que o PT gosta de baderna."
Juliane declara que teve a mesma cobrança de familiares que votavam em José Serra. "Eles diziam: o Brasil vai quebrar de vez. Eu respondia: ou muda ou quebra de vez mesmo então."
A modelo Cecília Maebara elogia Lula, mas tem dúvidas sobre para onde o país caminha. "Ele está tendo pulso firme na defesa de suas idéias, mas o tempo é curto. Espero que meu voto tenha valido a pena para mudar o país e que não tenhamos sido iludidas."


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