São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2004

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PALESTRA

Para Robert Kurz, partidos como o PT não compreendem a crise do capitalismo e por isso decepcionaram seus eleitores

Sociólogo alemão critica ilusões da esquerda

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Guru de grupos de esquerda que pregam o fim da política e a emancipação do trabalho, o sociólogo alemão Robert Kurz afirmou, em palestra na Bienal do Livro, em Fortaleza, que a esquerda tradicional e seus partidos -como o PT, no caso do Brasil- têm medo e não conseguem encarar a crise da contemporaneidade.
Segundo ele, tais partidos preferem difundir, de forma enganosa, que será possível uma retomada do desenvolvimento e o reinício de um acúmulo de produção. Para ele, isso não acontecerá mais.
Inspirado nas teses de Karl Marx (1818-1883), Kurz faz uma crítica radical ao que chama de sociedade fetichista, em que categorias como trabalho abstrato, política, democracia, mercado e nação, que servem de base de sustentação ao capitalismo, se convertem em noções tidas como naturais, como fenômenos intrínsecos ao próprio existir do homem.
Para o sociólogo, todas essas categorias não passam de construções da sociedade liberal e já estão caindo por terra, uma a uma, com a atual crise do capitalismo, que atravessa sua terceira Revolução Industrial, fenômeno causado pela ascensão da microinformática, que provocou um desemprego crescente: um grande volume de pessoas passou a ser tido como supérfluo e não há perspectiva de um novo acúmulo de produção, num processo irreversível.
Kurz é autor de livros como "Os Últimos Combates" (ed. Vozes) e "O Colapso da Modernização" (ed. Paz e Terra) e foi ouvido por um auditório lotado, com cerca de 300 pessoas, no último domingo à noite. Para o sociólogo, a esquerda está paralisada diante da crise e prefere continuar pregando que haverá uma nova retomada do capitalismo, um novo crescimento da produção, como sempre aconteceu após crises vividas pelo capitalismo no passado.
"A crítica produzida pela esquerda tradicional nunca chegou às categorias do capitalismo: estava presa no próprio sistema capitalista, pregando que, se fossem colocadas no comando pessoas que pensam como nós, tudo melhoraria, e isso não acontece. Agora, a esquerda se vê paralisada", disse: "Por isso, em todo lugar onde a esquerda emergiu, como no Brasil, a população se sente decepcionada", acrescentou.
Em sua crítica, Kurz não poupou nem os movimentos sociais. Para ele, é necessária uma solidariedade mundial entre os movimentos, mas essa solidariedade deve ser crítica, para que não fiquem apenas na tentativa de recuperar o trabalho por meio da política. Ao mesmo tempo, com o envolvimento de intelectuais em todo o mundo, é preciso iniciar um longo debate sobre os caminhos a serem criados para substituir as atuais categorias do capitalismo: "A crise por si só não vai criar essas mediações novas. Precisamos encarar isso, e não são apenas palavras de ordem que vão criar esse novo caminho".
Segundo ele, a mudança não acontecerá de forma individual: a crise é global e a única saída será uma mobilização mundial.


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