São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 2005

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ELIO GASPARI

De JorgeAmado@edu para JeanyMaryCorner@com.br

Jeany, amor, Jorge não tem nada a ver com isso. Usamos o e-mail dele porque, mesmo aqui onde estamos, mulheres de nossa vida evitam dar endereços à cana.
Somos as marafonas do Jorge Amado, michês de todos os romances.
Maria, Violeta e Lúcia, as três irmãs de Ferradas, unidas em seu destino. Quitéria do Olho Arregalado, Lindinalva, Doralice e Ernestina. As Margôs do Pelourinho e de Ilhéus, a da "sombrinha de muito pano". Magníficas, mansuetárias meretrizes: Rita Tanajura, Rosália, La Lola e Zabela, rainha do Cancan. Viemos da Pensão Monte Carlo, dos Castelos da Sabina e de Tibéria, dos Bataclans e do Trianon.
Sabemos o que estão fazendo contigo. Foste chamada de amiga, irmã e princesa. Agora és apenas cafetina. Pois cafetina sejas e nossa escrita destina-se a incitar a Grande Rebeldia da Cafetina Jeany Corner e de suas Meninas. Explicamos.
Queimaram o filme de uma de tuas garotas. Podiam ter feito de tudo. Tem gente que sai sem pagar. Tem até quem chame a polícia. Tem quem conta tudo para a legítima. Tudo isso se faz porque acontece. Queimar filme, não. Jorge nunca escreveu o nome certo da moça que o relojoeiro do Recôncavo levou. (Ela montou uma imobiliária, enricou vendendo terra para tucanos paulistas e é suplente de deputado pelo PFL.)
Podemos te dizer: o filme da garota foi queimado por cliente da casa.
Sabemos e contamos. Temos licença. Quem duvidar desafie.
Chegou a nossa hora, desocupem nosso espaço na história da brava gente brasileira. Quando se acabou a ditadura do Getúlio Vargas vieram os liberais, moços, poetas e romancistas (o Jorge foi Constituinte de 1946). Abriu-se o rendez-vous do edifício São Borja, na avenida Rio Branco, em frente ao velho Senado. Tanta foi a liberdade que Jango e Garrincha namoraram a mesma vedete. (Passou por aqui o general Sukarno, aquele que governou a Indonésia. Perguntou pelas pernas da Amparito, que conheceu na boate Night and Day.) Vieram os militares e o Roberto Campos. Dele não falamos. Debochou da Natasha, que desmonetarizou-o na Lapa. Em São Paulo, reinou o La Licorne, casa reputada, ensurdecida numa noite por escandalosas sirenes. Parecia prenúncio de polícia, mas era prelúdio da paixão de poderosos. Foi o esplendor do patronato. Sabemos de meninas que nessas noites de chumbo ajudaram lindos guerrilheiros e disso só se arrependem agora. Eles se aposentaram pelo Bolsa-Ditadura e elas encalharam no INSS.
Bons tempos os dos lupanares. Havia paixão no bordel. Faz algum tempo que criaram por aí o marafa-delivery. Em Brasília, recentemente, esse serviço atendia a uma legação de caipiras paulistas.
Querida Jeany. Por nossos arcos já passaram todos os triunfos.
Bacharéis, militares, patrões, empregados, policiais, guerrilheiros, economistas e empreiteiros. Deitados, nos contaram como juntaram seus patrimônios.
De pé, fizeram com o Brasil aquilo que só lhes permitimos na cama por preço justo, expresso e previamente tratado.
Queimaram o filme da colega? Pois o dia é hoje. Que cada meretriz, rameira, garota de programa, michê, quenga, seja da modalidade denominada avião ou baranga, municipal ou federal, conte o que sabe a quem quiser ouvir. Conte tudo Jeany, ponha na internet as memórias das tuas moças. Já não se fazem pessoas como Julieta Zude, aquela que disse a Lola: "Pelo amor de Deus, não conte nada...".
A Grande Rebeldia da Cafetina Jeany e de suas Meninas não jogará lascas sobre as boas famílias. Jorge nos instruiu: o que fazemos deitadas o trinco tranca. Só contaremos o que ouvimos de pé, mas contaremos tudo, de todos.
O Brasil fará história. Depois de ter sido governado por um filho de pais incógnitos (o padre Diogo Feijó, homem macho da Regência) será a primeira nação onde a moralidade foi restabelecida depois de uma rebelião de putas.
Força, mulher,
Pelas meninas,
Jorge Amado


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