São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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EXCLUSIVO
Funcionários de confiança do ministro Eliseu Padilha (Transportes) autorizaram irregularidades
Esquema frauda R$ 27,8 mi no DNER

MÔNICA BERGAMO
enviada especial a Brasília

Um grupo organizado está agindo dentro do DNER para liberar pagamentos de precatórios (dívidas que a Justiça obriga a pagar) de forma irregular.
O esquema envolve escritórios de lobby e funcionários do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
Durante três semanas, a Folha pesquisou arquivos do Congresso e do Judiciário e manteve conversas gravadas com beneficiários do esquema.
Em todas as conversas, a repórter se apresentou como uma pessoa interessada em furar a fila de precatórios.
Assim, o jornal obteve a informação de que, para que o governo libere o recurso, são necessários pagamentos de propinas que, disfarçados sob a forma de "contratos advocatícios", chegam a 25% do valor do precatório. Em um dos casos, a bolada foi de R$ 1,4 milhão.
Pela Constituição brasileira, os precatórios devem ser pagos sempre em ordem cronológica. No caso do DNER, eles se referem, em sua maioria, a desapropriações de áreas feitas pelo órgão (para a construção de uma estrada, por exemplo) que originaram indenizações. O esquema de propinas funcionava exatamente para furar essa ordem cronológica nos pagamentos.
Só no ano de 1999, o DNER pagou R$ 103 milhões em precatórios. A Folha cruzou a relação de precatórios pagos com as listas dos Tribunais Regionais Federais das 1ª e 2ª regiões. Pelo menos R$ 27,8 milhões em precatórios foram pagos de forma considerada irregular. Existem outros três tribunais federais no país.

Autorizações
Os pagamentos de precatórios só são liberados com a autorização do diretor financeiro do órgão, Gilson Zerwes de Moura.
O diretor foi nomeado há seis meses e é pessoa de confiança do ministro dos Transportes, Eliseu Padilha.
É necessária também a assinatura do presidente do DNER, Genésio Bernardino, que tem pouca influência no órgão.
O nome do ministro Eliseu Padilha é usado livremente pelos lobistas. "Hoje em dia, só o ministro autoriza (os pagamentos de precatórios)", afirma o lobista João Luiz da Fonseca.
Há três meses, Fonseca recebeu R$ 1,4 milhão como "consultor" por ter obtido o pagamento de um precatório de R$ 5,6 milhões para o espólio de Salim Felício, no Estado de Mato Grosso.
A informação é do inventariante do espólio, Edio Felício. O precatório estava em 144º lugar na fila do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que engloba Brasília, Minas Gerais, Bahia e as regiões Norte e Centro-Oeste do país (leia texto nesta pág.).
Fonseca recebeu a Folha na quinta-feira, 28, em seu escritório, no 10º andar do Edifício Oscar Niemeyer, no centro de Brasília. Imaginava tratar-se de uma pessoa interessada em contratar seus serviços.
"Antigamente, antes de esse ministro assumir, era tudo resolvido lá. Hoje, não. Qualquer pagamento dentro do DNER só é feito com a autorização do ministro", disse Fonseca.

Jogo de empurra
No Ministério dos Transportes, há um jogo de empurra em torno das responsabilidades por esses pagamentos.
O ministro Eliseu Padilha diz que não tem nada com isso e que uma sindicância interna investiga a atuação dos procuradores do DNER.
Estes, por sua vez, dizem que nada no órgão é feito sem a autorização do diretor do DNER. "Quem autoriza os pagamentos hoje não é o procurador, é o diretor-geral da entidade", diz o procurador Pedro Eloi Soares. "E exatamente o recurso para o pagamento vem do Ministério dos Transportes."
A Folha localizou o ministro Padilha, que estava em férias, em Roma, na Itália. Ao ser informado sobre a afirmação do lobista Fonseca, o ministro reagiu com uma risada.
Eis o diálogo:

Padilha - Ah, ah, ah. Mas por quê?

Folha - Porque ele diz que desde que assumiu o sr. centralizou as decisões do DNER no ministério.
Padilha -
Negativo. Eles (o DNER) têm autonomia em todas as áreas.
O ministro levantou a hipótese de o lobista estar fazendo confusão. "O que pode ele querer dizer é que o DNER não tem disponibilidade de recursos. Nós temos liberação uma vez por mês de dinheiro. Aí quem libera a quota do DNER é o ministério. Mas não definido (por precatório)."
Padilha diz que nunca recebeu lobista em seu gabinete para tratar do assunto. "Absolutamente. Nunca. Desconheço o assunto."

Sindicância
O ministro diz que em setembro mandou abrir sindicância para investigar uma indenização milionária que o DNER estava negociando no Estado do Mato Grosso.
A sindicância só foi aberta depois que a denúncia foi publicada pela imprensa do Estado (leia entrevista com o ministro dos Transportes à pág. 1-14).
A assessoria de Padilha sustenta que o ministro está atento ao assunto há oito meses.
Apesar de toda a suposta atenção do ministro, os acordos que permitem que um precatório seja pago sem obedecer à fila da Justiça continuaram sendo feitos à vontade no DNER.
O diretor financeiro do órgão, Zerwes de Moura, admite que autoriza os pagamentos, mas diz que a responsabilidade pelas irregularidades não é dele, e sim da equipe do procurador do DNER, Pedro Eloi Soares.
"A procuradoria se manifestou nos autos, dizendo que os acordos eram legais e que traziam vantagem para o órgão", diz. "O arbítrio não é meu. Eu aqui cumpro o que a procuradoria manda."

Responsabilidade mútua
O procurador Pedro Eloi diz que a responsabilidade é mútua. "A direção da autarquia tem autonomia para decidir se é conveniente fazer o acordo ou não."
Na entrevista, o diretor Zerwes de Moura chegou a dizer à Folha que "não convém enfrentar a procuradoria" e insinuou que não coloca objeções aos procuradores porque tem medo de retaliações físicas. "Eu tenho 36 anos, sou uma pessoa nova, tenho família. É mais ou menos por aí."
Na conversa, a Folha fez a seguinte pergunta a Zerwes de Moura:
""Não há controle nenhum, os procuradores do DNER fazem o que querem?"
A resposta de Moura:
""Eu diria que sim."


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