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EXCLUSIVO
Funcionários de confiança do ministro Eliseu Padilha (Transportes) autorizaram irregularidades
Esquema frauda R$ 27,8 mi no DNER
MÔNICA BERGAMO
enviada especial a Brasília
Um grupo organizado está
agindo dentro do DNER para liberar pagamentos de precatórios
(dívidas que a Justiça obriga a pagar) de forma irregular.
O esquema envolve escritórios
de lobby e funcionários do DNER
(Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
Durante três semanas, a Folha
pesquisou arquivos do Congresso
e do Judiciário e manteve conversas gravadas com beneficiários do
esquema.
Em todas as conversas, a repórter se apresentou como uma pessoa interessada em furar a fila de
precatórios.
Assim, o jornal obteve a informação de que, para que o governo
libere o recurso, são necessários
pagamentos de propinas que, disfarçados sob a forma de "contratos advocatícios", chegam a 25%
do valor do precatório. Em um
dos casos, a bolada foi de R$ 1,4
milhão.
Pela Constituição brasileira, os
precatórios devem ser pagos sempre em ordem cronológica. No
caso do DNER, eles se referem,
em sua maioria, a desapropriações de áreas feitas pelo órgão
(para a construção de uma estrada, por exemplo) que originaram
indenizações. O esquema de propinas funcionava exatamente para furar essa ordem cronológica
nos pagamentos.
Só no ano de 1999, o DNER pagou R$ 103 milhões em precatórios. A Folha cruzou a relação de
precatórios pagos com as listas
dos Tribunais Regionais Federais
das 1ª e 2ª regiões. Pelo menos R$
27,8 milhões em precatórios foram pagos de forma considerada
irregular. Existem outros três tribunais federais no país.
Autorizações
Os pagamentos de precatórios
só são liberados com a autorização do diretor financeiro do órgão, Gilson Zerwes de Moura.
O diretor foi nomeado há seis
meses e é pessoa de confiança do
ministro dos Transportes, Eliseu
Padilha.
É necessária também a assinatura do presidente do DNER, Genésio Bernardino, que tem pouca
influência no órgão.
O nome do ministro Eliseu Padilha é usado livremente pelos lobistas. "Hoje em dia, só o ministro
autoriza (os pagamentos de precatórios)", afirma o lobista João
Luiz da Fonseca.
Há três meses, Fonseca recebeu
R$ 1,4 milhão como "consultor"
por ter obtido o pagamento de
um precatório de R$ 5,6 milhões
para o espólio de Salim Felício, no
Estado de Mato Grosso.
A informação é do inventariante do espólio, Edio Felício. O precatório estava em 144º lugar na fila do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região, que engloba Brasília,
Minas Gerais, Bahia e as regiões
Norte e Centro-Oeste do país (leia
texto nesta pág.).
Fonseca recebeu a Folha na
quinta-feira, 28, em seu escritório,
no 10º andar do Edifício Oscar
Niemeyer, no centro de Brasília.
Imaginava tratar-se de uma pessoa interessada em contratar seus
serviços.
"Antigamente, antes de esse ministro assumir, era tudo resolvido
lá. Hoje, não. Qualquer pagamento dentro do DNER só é feito com
a autorização do ministro", disse
Fonseca.
Jogo de empurra
No Ministério dos Transportes,
há um jogo de empurra em torno
das responsabilidades por esses
pagamentos.
O ministro Eliseu Padilha diz
que não tem nada com isso e que
uma sindicância interna investiga
a atuação dos procuradores do
DNER.
Estes, por sua vez, dizem que
nada no órgão é feito sem a autorização do diretor do DNER.
"Quem autoriza os pagamentos
hoje não é o procurador, é o diretor-geral da entidade", diz o procurador Pedro Eloi Soares. "E
exatamente o recurso para o pagamento vem do Ministério dos
Transportes."
A Folha localizou o ministro
Padilha, que estava em férias, em
Roma, na Itália. Ao ser informado
sobre a afirmação do lobista Fonseca, o ministro reagiu com uma
risada.
Eis o diálogo:
Padilha - Ah, ah, ah. Mas por
quê?
Folha - Porque ele diz que desde que assumiu o sr. centralizou
as decisões do DNER no ministério.
Padilha - Negativo. Eles (o
DNER) têm autonomia em todas
as áreas.
O ministro levantou a hipótese
de o lobista estar fazendo confusão. "O que pode ele querer dizer
é que o DNER não tem disponibilidade de recursos. Nós temos liberação uma vez por mês de dinheiro. Aí quem libera a quota do
DNER é o ministério. Mas não definido (por precatório)."
Padilha diz que nunca recebeu
lobista em seu gabinete para tratar do assunto. "Absolutamente.
Nunca. Desconheço o assunto."
Sindicância
O ministro diz que em setembro
mandou abrir sindicância para
investigar uma indenização milionária que o DNER estava negociando no Estado do Mato Grosso.
A sindicância só foi aberta depois que a denúncia foi publicada
pela imprensa do Estado (leia entrevista com o ministro dos
Transportes à pág. 1-14).
A assessoria de Padilha sustenta
que o ministro está atento ao assunto há oito meses.
Apesar de toda a suposta atenção do ministro, os acordos que
permitem que um precatório seja
pago sem obedecer à fila da Justiça continuaram sendo feitos à
vontade no DNER.
O diretor financeiro do órgão,
Zerwes de Moura, admite que autoriza os pagamentos, mas diz
que a responsabilidade pelas irregularidades não é dele, e sim da
equipe do procurador do DNER,
Pedro Eloi Soares.
"A procuradoria se manifestou
nos autos, dizendo que os acordos
eram legais e que traziam vantagem para o órgão", diz. "O arbítrio não é meu. Eu aqui cumpro o
que a procuradoria manda."
Responsabilidade mútua
O procurador Pedro Eloi diz
que a responsabilidade é mútua.
"A direção da autarquia tem autonomia para decidir se é conveniente fazer o acordo ou não."
Na entrevista, o diretor Zerwes
de Moura chegou a dizer à Folha
que "não convém enfrentar a procuradoria" e insinuou que não coloca objeções aos procuradores
porque tem medo de retaliações
físicas. "Eu tenho 36 anos, sou
uma pessoa nova, tenho família. É
mais ou menos por aí."
Na conversa, a Folha fez a seguinte pergunta a Zerwes de
Moura:
""Não há controle nenhum, os
procuradores do DNER fazem o
que querem?"
A resposta de Moura:
""Eu diria que sim."
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