São Paulo, Domingo, 31 de Outubro de 1999
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O CLIENTE
"O negócio tá bem salgado"

da enviada especial

O economista Edio Felício, inventariante do espólio do pai, conseguiu furar a fila de precatórios do DNER. Recebeu pouco mais de R$ 5,6 milhões e afirma que pagou "propina".

Felício - Não. O negócio tá bem salgado, mas foi a maneira que a família minha encontrou para resolver a questão.

Folha - Quanto estão cobrando?
Felício -
Começaram com 30, saiu por 25. Mas se falarem, nem te falei isso.
(...)

Folha - Esses 30% são o quê, do DNER?
Felício -
Não. É do escritório.

Folha - O senhor recebeu R$ 5 milhões e teve que deixar 25%?
Felício -
É. Não, teve mais 10% de doação para o DNER.

Folha - Ah, sim, desconto?
Felício -
Desconto, não. É doação mesmo. Sabe por quê? O DNER, ele tem uma pauta. E dependendo das condições em que estiver o seu precatório, e ele estiver embaixo na lista de chamada, tem que dar algum motivo especial para que ele passe na frente.

Folha - E qual é o motivo?
Felício -
Doação. É doação que se fala. Aí você assina o contrato de doação. Doa um pedaço do que você tem para receber para o DNER.

Folha - Falando mais claramente: tem que dar uma propina?
Felício -
Não, não. É doação mesmo. A propina é o contrato de prestação de serviço.

Folha - Com o escritório?
Felício -
É, isso sim. Agora, para o DNER é doação mesmo.

Folha - A pessoa me deu a lista falou: tenta pessoas, procuradores que conseguem. Com a Zenild, um tal de Ulisses...
Felício -
Aí vai encontrar vários, é verdade.

Folha - Eu vi aqui que o senhor tinha um precatório de R$ 6,13 milhões e acabou recebendo R$ 5,617 milhões.
Felício -
Exato, exato. Porque o resto eu fiz doação para o DNER, 10%. Era R$ 6,13 milhões eu dei R$ 613 mil.

Folha - O senhor ficou com R$ 5,617 milhões. O senhor teve que dar para o escritório?
Felício -
Isso.

Folha - Quanto o senhor teve que dar?
Felício -
(Rindo) 25%.

Folha - Mentira!
Felício -
É, sim.

Folha - Dos R$ 5,6 milhões? Ah, não.
Felício -
Mas aí você negocia. Cada negócio é um negócio, né? Eu resolvi abrir mão porque a família resolveu dessa forma.

Folha - Era melhor do que não receber nada?
Felício -
É, isso, porque o negócio estava muito demorado, e daí, depois do falecimento do meu pai, a gente resolveu, enfim.

Folha - De outro jeito não sai?
Felício -
De outro jeito não sai.

Folha - Com parlamentar?
Felício -
Vão pedir 50%, de cara, fora a doação ao órgão. Eu tentei esse caminho também. Eu tentei com um deputado de Mato Grosso do Sul. (...) Foi uma porção de políticos conhecidos da gente, mas de cara, se não abrir mão de metade -prá eles, hein-, eles nem começam a se movimentar.
(...)

Felício - (...) Já que estamos falando abertamente, eu acho que parlamentar, eu tentei também, não dá negócio.

Folha - Eles pedem 50%?
Felício -
É.
(...)
Felício - Olha, não foi diretamente para mim. Os políticos, em geral, os que eu consegui contatar foi nessa faixa. Todos eles falaram a mesma coisa.

Folha - Que é a metade.
Felício -
É.
(...)

Folha - Eu estava pensando em falar com algum parlamentar de São Paulo. Para chegar neles é como, através de um assessor?
Felício -
Olha, eu não sei, precisa conhecer. Chegar direto assim, eu não sei.

Folha - O senhor já os conhecia?
Felício -
A doutora de Cuiabá conhecia os políticos de lá, e eu tentei em Mato Grosso do Sul. Mas a gente só tenta na origem e cai fora. Porque não dá. Senão ia ter que pagar para retirar, a gente ainda tem que acabar pagando.
(...)

Felício - Não precisa ter receio, não, viu. Se quiser tentar esse caminho, eles (os parlamentares) chegam a você. Não é você que vai chegar a eles.


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