São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2001

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JANIO DE FREITAS

Fato positivo

Jornais e TVs dos Estados Unidos iniciam questionamentos críticos ao bombardeio no Afeganistão e começam a retirar o apoio absoluto ao governo americano. Fato positivo? Claro. Não, porém, para o conceito do jornalismo e dos jornalistas dos Estados Unidos.
Os atuais diretores dos jornais, telejornais e revistas americanos eram todos repórteres e redatores à época da guerra do Vietnã. Foram os responsáveis pelo trabalho jornalístico, de altíssima qualidade ética e técnica, que mobilizou a opinião pública americana e, segundo revelações militares, entre outros efeitos impediu o recurso, em desespero de causa, a armas nucleares contra o Vietnã do Norte.
Foram esses grandes jornalistas de ontem que, desde 12 de setembro, aceitaram praticar a autocensura, deixando as mãos livres ao governo e ao Pentágono. A experiência que traziam dos anos 60 e 70 não poderia ser esquecida. Se hoje começam a sentir-se mal com a mortandade injusta e inútil -que continuam mais escondendo que mostrando-, nela nada encontram que não conhecessem e que não fosse esperado, como atestam inumeráveis artigos publicados fora dos Estados Unidos e, portanto, livres de autocensura.
A competência do governo e, particularmente, a de Bush, agora sob a crítica de não estar à altura dos efeitos da guerra nos próprios Estados Unidos, volta-se contra os jornalistas mesmos. A partir do ataque a Nova York e ao Pentágono, as restrições enormes à formação do governo e aos programas de Bush, mais do que repentinamente silenciadas, reverteram em endosso e aplauso. Era precisamente a ocasião, no entanto, em que mais a experiência e o discernimento deveriam pesar e medir cada palavra, cada tendência e cada decisão do poder. Nessa hora, os jornalistas se fizeram políticos e propagandistas.
A competência esperável dos bombardeios era muito bem conhecida. Em sua primeira entrevista coletiva como presidente, seis meses e meio antes do ataque a Nova York e ao Pentágono, Bush afirmou que o bombardeio ao Iraque, o primeiro por ordem sua, fora muito bem sucedido, tendo 25 estações de radar como alvos. No dia seguinte, 22 de fevereiro, o "Washington Post" revelava que as 25 "bombas de precisão" caíram a dezenas e até centenas de metros dos alvos. O bombardeio só conseguiu causar algum dano e em apenas 8 das 25 estações de radar. A veracidade presidencial e competência dos bombardeios tornaram-se, dali por diante e até o 11 de setembro, objeto frequente do jornalismo.
Os jornalistas americanos estão inquietos com as fotografias e filmes que recebem do Afeganistão. Ou, o que dá no mesmo, com a sua consciência -e aí começa o jornalismo.

Calendas
Fernando Henrique Cardoso disse em Madri que só daqui a 20 anos se sentirão os efeitos pretensamente positivos do seu governo. Anote aí na sua agenda, leitor, para não esquecer de verificar em 2021.



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