Campinas, Domingo, 9 de agosto de 1998

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HISTÓRIAS
Crepúsculo

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
Editor-assistente da Folha Ribeirão

Como e com quem cheguei ao pequeno estádio, não me lembro, nem interessa tanto. O que importa é que eu estava lá, na beira do campo, pronto para ver de perto mais um entre tantos jogos em uma tarde de sol do interior.
Naquele gramado, na zona rural de São Joaquim da Barra, brancos, pretos e, principalmente, um descendente de índios, de apelido Garrincha, correriam atrás da bola.
A data exata também não me lembro, mas acho que a década de 70 já findava e Garrincha, o legendário craque das pernas tortas, enfrentava uma fase difícil, com pouco dinheiro, muita bebida e problemas emocionais.
Havia alguns anos ele disputava jogos caça-níqueis, como aquele, pelo país em um time chamado Milionários, junto com outros ex-craques.
As pequenas cidades do interior de São Paulo faziam festa para recebê-los. Garrincha era a principal atração.
Aos meus olhos de moleque, porém, nem tudo era festa. O homem de quem tanto falavam os mais velhos me pareceu triste e abatido.
Olhei os pés de Garrincha, não muito grandes, redondos. Ele colocava as meias em lento ritual. O craque notou minha presença e sorriu ternamente. Seu aspecto era igual ao de muitos brasileiros.
Distante de sua melhor forma, dentro de campo, ele se limitou a ser uma caricatura.
Parecia não querer esconder a melancólica condição. O craque do bicampeonato mundial na Copa do Chile, em 62, jogava agora em um estádio com poucas arquibancadas, de madeira, modesto até para os padrões do interior de São Paulo.
No mais, ninguém havia ido ao campo esperando ver os dribles que fizeram dele a "alegria do povo". Com um misto de sadismo, felicidade, dever e complacência, éramos todos, inclusive eu, apenas testemunhas do crepúsculo trágico de um grande astro.
Poucos anos depois, em janeiro de 83, ele estaria morto.
Após aquele dia, passei a entender melhor a dimensão de Garrincha e um pouco mais a tragédia humana.
A glória, o fracasso e a eternidade do mito. Tudo ali, naquele momento em que Garrincha colocava calmamente a meia, já se preparando para virar imortal...


E-mail:²jafbombig@uol.com.br


José Alberto Bombig escreve aos domingos


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