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Micro/Macro
Essa estranha gravidade
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Tudo cai, ao menos aqui na Terra. Cada vez que deixo cair as chaves, dinheiro, um copo (em geral cheio), enfim,
coisas do dia-a-dia, imagino a gravidade,
sorridente, dizendo: "Tá vendo, não dá
para você se esquecer de mim".
De tão habituados que estamos com
esse fato, nem nos perguntamos por que
as coisas caem. Aliás, nem tudo cai. Caso
contrário, balões de hélio ou hidrogênio,
ou mesmo aqueles de São João, não subiriam. É mais correto dizer que cai tudo
que é mais denso do que o ar.
Para evitar confusão, vamos deixar o ar
de lado. Entra Galileu Galilei, na virada
do século 16 para o 17. Foi o primeiro a
perceber que, na ausência de ar, todos os
objetos, sejam eles penas de galinha ou
balas de canhão, caem com a mesma aceleração: se a pena e a bala caírem da mesma altura, chegarão ao chão ao mesmo
tempo. Se não houvesse ar, claro.
Galileu não se perguntou por que as
coisas caem. Ele se contentou em descrever como elas caem. Em 1600, William
Gilbert, o médico da rainha Elizabeth 1ª
da Inglaterra, sugeriu que a Terra era um
ímã gigantesco (é mesmo, por isso funcionam as bússolas). Alguns anos mais
tarde, Johannes Kepler, o alemão genial
que revolucionou a astronomia, sugeriu
que o Sol exercia uma força sobre os planetas que fazia com que eles girassem à
sua volta. Ele julgou que essa força fosse
magnética, já que ela agia à distância: o
Sol não precisa tocar nos planetas para
fazê-los girar à sua volta.
Entra Isaac Newton. Inspirado por Kepler e por Galileu, deu o grande passo
que faltava: a força não é magnética e não
existe só no Sol. Ele sugeriu que a força
fosse gravitacional, agindo igualmente
sobre os dois corpos.
Não é que a Terra atraia os objetos, fazendo com que eles caiam. Os objetos
também atraem a Terra, com uma força
da mesma magnitude e em sentido contrário. Só que, como a massa da Terra é
muito maior do que a dos objetos, ela
praticamente não se mexe, enquanto o
objeto vai ao seu encontro.
Claro, quando o objeto é o Sol, é a Terra
que se mexe: a sua órbita corresponde ao
movimento de um corpo que está caindo
sempre. Explico: imagine um canhão no
alto de uma montanha muito alta. Se ele
atirar uma bala sem muita velocidade,
ela cairá perto da base da montanha.
Quanto maior a velocidade, mais longe
da base cairá a bala. Se a velocidade for
muito alta, a bala seguirá a circunferência da Terra sem jamais tocar o solo. Ou
seja, a bala entrará em órbita.
Órbita, então, é simplesmente a queda
de um objeto que tem velocidade horizontal alta o suficiente para jamais tocar
o solo. Segundo Newton, todo corpo
com massa atrai outros corpos gravitacionalmente. E é igualmente atraído por
eles. A teoria da gravidade de Newton
descreve eficientemente os movimentos
que vemos aqui na Terra e as órbitas dos
planetas, cometas e outros objetos celestes. Mas ela não explica o que causa essa
atração. Que propriedade estranha é essa
que corpos exercem uns sobre os outros?
A massa do corpo indica a intensidade
dessa atração. Mas por quê? Newton não
tentou explicar. Ele dizia que entender isso não era relevante. (Mas, se tivesse entendido, aposto que não teria dito isso.)
Uma teoria científica explica o como
dos fenômenos, e não os porquês. A teoria dele funcionava supondo uma atração a distância entre duas ou mais massas. Já era o suficiente.
Entra Albert Einstein, dizendo que a
gravidade não precisa ser entendida como uma ação a distância entre dois corpos. Ela pode ser entendida como conseqüência da distorção da geometria do espaço na vizinhança de uma massa. Imagine um trampolim. Se não tem ninguém nele, ele fica plano. Uma bola de
gude posta sobre a sua superfície não se
mexe. Agora, imagine alguém na ponta
do trampolim. Ele encurva. A bola de gude é acelerada em direção à pessoa.
Einstein disse que o mesmo ocorre
com a curvatura do espaço. Em torno de
uma massa, o espaço é curvo, e objetos
são acelerados. Não sentimos isso porque nossas massas são muito pequenas
para encurvar o espaço à nossa volta.
Ainda bem. Caso contrário, a vida seria
extremamente complicada.
Mas por que, perguntaria o leitor, a
presença de uma massa encurva o espaço à sua volta? Que efeito estranho é esse?
Pois é, que efeito estranho é esse? Einstein não saberia responder, e muito menos eu. Precisa entrar mais alguém.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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