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CIÊNCIA
Gruta fornece prova de canibalismo neandertal
Universidade da Califórnia em Bekerley
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Ossos de neandertais com marcas que evidenciam canibalismo |
MARCELO LEITE
especial para a Folha
Dependendo do ponto de vista,
pode-se dizer que os neandertais
estão agora mais perto dos seres
humanos -ou mais distantes.
Pelo menos alguns desses ancestrais da espécie eram canibais,
comprova estudo publicado hoje
na revista "Science".
Ossos desse hominídeo (primatas do gênero Homo) com marcas
de desossamento e mais de 100
mil anos foram encontrados na
gruta de Moula-Guercy, próxima
de Marselha (sul da França). Jaziam no mesmo local em que havia restos de animais, que receberam o mesmo tratamento.
"As evidências são inquestionáveis, sobretudo porque os fragmentos ósseos humanos estavam
numa área de descarte de restos
alimentares faunísticos", diz o paleoantropólogo Walter Neves, do
Instituto de Biociências da USP.
Ele estudou na Universidade da
Califórnia em Berkeley com um
dos autores do artigo, Tim White.
"É o maior especialista da atualidade em marcas de canibalismo",
atesta Neves.
Assim como fizeram no artigo
White e o francês Alban Defleur
(Universidade do Mediterrâneo,
em Marselha), autor da descoberta, o pesquisador brasileiro atribui importância conclusiva ao fato de ossos tanto humanos quanto de cervos terem sido cuidadosamente quebrados.
Como só ossos grandes como
fêmures foram partidos -todos
eles-, os cientistas concluíram
que os neandertais estavam atrás
da medula óssea, um alimento rico em gordura. Assim como cérebros, e na gruta de Moula-Guercy
todos os crânios animais e humanos foram arrebentados.
Há mais. Analisando as marcas
de instrumentos de corte sobre a
superfície dura dos fósseis ósseos,
Defleur e White encontraram evidência de que ao menos uma língua e tendões foram cortados e
braços, desmembrados.
Entre os esqueletos de no mínimo seis indivíduos estavam o de
duas crianças, com 6 e 7 anos. Justamente estes traziam sinais de
que os músculos de mastigação
haviam sido filetados.
Todas as marcas encontradas
foram atribuídas a instrumentos
de pedra, que já eram usados pelos neandertais. Nenhum osso
humano escavado tinha vestígios
da raspagem por dentes de animais carnívoros, o que só foi observado nos restos de um cervo.
A mistura dos fragmentos com
ossos de animais e a coincidência
no tratamento dado a eles exclui
que a prática fizesse parte de algum ritual. "Os fragmentos humanos não foram encontrados
em contexto de sepultamento",
explica Walter Neves.
Até hoje, essa possibilidade havia sido o maior argumento contra indícios de canibalismo entre
neandertais. Eles já tinham sido
detectados em outros sítios europeus, como na Espanha (Atapuerca) e na Croácia (Krapina).
Se é possível excluir que a carnificina fizesse parte de um sepultamento, pouco ou nada se pode dizer sobre por que aqueles neandertais do sul da França desossaram seus semelhantes. Pode ter
sido uma escassez aguda de alimento num final de inverno, ou a
devoração de inimigos derrotados na guerra.
"Obviamente, não temos testemunhas oculares, videoteipes ou
fotografias", disse Tim White, 49,
à Folha. Citando Fred Smith, da
Universidade do Norte de Illinois
(EUA), disse por e-mail: "Atividades se fossilizam; intenções, não".
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