UOL


São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2003

Próximo Texto | Índice

ASTRONOMIA

Novo modelo diz que cinturão de Kuiper, berço desses astros periódicos, se afastou do Sol sob influência do 8º planeta

Jovem Netuno selou destino dos cometas

Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics
Concepção artística mostra um disco de poeira em torno da estrela Vega, a 25 anos-luz da terra


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se os cometas estão onde estão, hoje, devem isso a Netuno.
Dois cientistas acabam de demonstrar que um movimento migratório do oitavo planeta solar, ocorrido há bilhões de anos, foi o responsável pela determinação da extensão e da localização do cinturão de Kuiper -um amontoado de pedras de gelo sujo (tijolos que sobraram da formação planetária) postado na orla do sistema.
É de lá que vieram um dia os cometas de longo período, objetos que vez por outra se apresentam com suas caudas reluzentes nos céus terrestres. Isso acontece quando eles executam sua aproximação máxima do Sol, e o gelo começa a se converter rapidamente em gás, dando brilho renovado e sua forma característica aos normalmente opacos objetos.
Tão opacos que é difícil observá-los em outras circunstâncias. Embora a idéia de que os cometas viriam de um cinturão além da órbita de Netuno tenha sido sugerida pelo astrônomo holandês Gerard Kuiper (pronuncia-se "cáiper") nos anos 1950, a detecção do primeiro KBO (objeto do cinturão de Kuiper, na sigla em inglês) só ocorreu em 1992.

Planeta ou KBO?
Tecnicamente, o primeiro KBO foi encontrado em 1930, pelo americano Clyde Tombaugh -é o planeta Plutão, hoje considerado o maior dos membros conhecidos do cinturão, apesar de ser tradicionalmente tido como o nono planeta do Sistema Solar.
Conforme outras descobertas iam se somando à de 1992, começou a se tornar possível estimar a massa total do cinturão. Contando Plutão, sua lua Caronte e tudo que já foi visto por lá, calcula-se que haja material suficiente para construir um décimo da Terra.
Isso deixou os astrônomos com um enigma na mão: se o cinturão de Kuiper tivesse se formado realmente onde ele está hoje, deveria haver massa suficiente para construir dez Terras. Ou uma boa parte dos KBOs desapareceu misteriosamente, ou alguma coisa estava muito equivocada na teoria.
Os cientistas começaram então a revisar seus conceitos sobre a história do Sistema Solar, a fim de verificar se seria possível que o cinturão tivesse se formado mais perto do Sol, para depois ser arrastado para sua posição atual por algum motivo.
No meio do caminho estava Netuno. Sem pudor, os pesquisadores decidiram empurrar esse planeta para dentro, junto com o protocinturão. Surpresa: a hipótese funcionou.

Netuno mais próximo
Simulações feitas em computador mostram que, se Netuno tivesse surgido mais próximo do Sol, o cinturão poderia se formar logo depois dele, com uma massa próxima da observada, na posição que o oitavo planeta ocupa hoje (cerca de 30 vezes mais distante do Sol que a Terra).
Depois, uma dinâmica curiosa se daria: de um lado, os objetos do cinturão atrairiam Netuno para fora, fazendo com que o planeta lentamente iniciasse um movimento de migração. Em contrapartida, a atração gravitacional de Netuno faria com que os objetos se acelerassem, aumentando a amplitude de suas órbitas e se posicionando ainda mais além.
Em resumo, Netuno e o cinturão de Kuiper teriam migrado juntos, no início da evolução do Sistema Solar, para seu estado atual (veja o quadro abaixo).
A primeira sugestão de que isso pode ter acontecido veio do pesquisador brasileiro Rodney Gomes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em estudo publicado na revista especializada "Icarus". Ele sugeria um modo pelo qual a migração de Netuno poderia produzir as populações de KBOs que têm um determinado tipo de órbita, a de alta inclinação. Para o quadro teórico ficar completo, faltava explicar como os de baixa inclinação teriam sido produzidos.

Fim do enigma
Novas simulações realizadas por Harold Levison, do Southwest Research Institute, EUA, e Alessandro Morbidelli, do Observatoire de la Côte d'Azur, França, parecem ter achado a peça faltante no quebra-cabeça.
"Agora parece que o mistério finalmente está sendo esclarecido", diz Rodney Gomes, que foi convidado pela revista científica britânica "Nature" (www.nature.com) para comentar o estudo de Levison e Morbidelli, publicado em sua última edição.
A pesquisa também ajuda a esclarecer as dimensões do cinturão, que vai da órbita de Netuno até umas 50 UA (ou Unidade Astronômica, medida que equivale a 150 milhões de quilômetros, a distância média Terra-Sol). A essa distância, os corpos ali localizados estabelecem um padrão de sincronia com Netuno -a cada duas voltas que o planeta completa em torno do Sol, eles dão uma.
O resultado dessa interação gravitacional fornece uma formidável estabilidade às órbitas dos KBOs. Mas, além das 50 UA, a coisa se torna muito mais turbulenta, o que faz pensar que esse é o limite para o cinturão de Kuiper.


Próximo Texto: Fenômeno pode ter "clone" em Vega
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.