|
Próximo Texto | Índice
Projeto tenta ordenar a história da Terra
Liderada por geólogo americano, iniciativa quer estabelecer datas precisas dos principais eventos na evolução da vida
Objetivo, afirma cientista,
é eliminar a escala de tempo
relativa; artigo mais recente
foi publicado em dezembro
e datou a origem dos dinos
Nasa
|
Imagem mais ilustre da Terra, feita pelos astronautas da Apollo-17 a caminho da Lua, em 1972 |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O geólogo Samuel Bowring
tem uma maneira bastante peculiar de estimular estudantes
do primeiro ano de geologia em
suas aulas no MIT (Instituto de
Tecnologia de Massachusetts),
nos EUA. Na frente da classe,
com um bloco rochoso na mão,
ele grita: "Ouçam a rocha! Deixem que ela fale com vocês!"
Nos últimos anos, Bowring,
53, tem tentado escutar as rochas de várias partes do mundo. O problema é que a pergunta que tem feito a elas não é algo
a que velhas senhoras respondam facilmente. Ele quer saber
quantos anos elas têm.
Sam, como prefere ser chamado, é um geocronólogo. Ele
ganhou US$ 1 milhão da Fundação Nacional de Ciências dos
EUA para coordenar um grande esforço de datação de rochas
no planeta inteiro. Com o projeto, batizado de Earthtime
("Tempo da Terra", em inglês),
ele espera eliminar o que chama de arbitrariedades na leitura do confuso livro da história
do planeta.
Isso pode ser importante para responder a questões sobre o
que aconteceu há muito tempo
-como surgiram os primeiros
animais e como aconteceram
as grandes extinções em massa
no passado- mas também para
elucidar fatores que hoje estão
diretamente relacionados com
a sobrevivência da espécie humana, como a influência do clima na biologia, e vice-versa.
"Uma coisa que aprendemos
foi que grandes mudanças no
clima, grandes extinções, acontecem em escalas de tempo
muito reduzidas. Se quisermos
entender o que aconteceu, precisamos ter a cronologia mais
precisa que pudermos", disse
Bowring, 53, à Folha.
Ele dá como exemplo a transição entre os Períodos Paleoceno e o Eoceno, há cerca de 55
milhões de anos. Naquela época, o clima da Terra esquentou
bastante e as concentrações de
gás carbônico (o principal gás
de efeito estufa) estavam muito
mais altas do que estão hoje.
Essa passagem para um "mundo-estufa" aconteceu em alguns milhares de anos e causou
várias extinções. "Muita gente
acha que o que aconteceu com
o planeta naquela época é muito similar ao que estamos fazendo com o planeta hoje", diz
o geólogo. "Mas esse período
não está tão bem calibrado."
Tudo é relativo
O tempo geológico, que conta
a história do planeta, é uma escala grosseira, montada há quase dois séculos por cientistas
europeus. Essa escala determina a idade das rochas com base
na ocorrência de certos fósseis.
Um determinado Período -o
Jurássico, por exemplo- é definido pela primeira e a última
ocorrência de determinados tipos de animais.
Essas datações relativas, no
entanto, trazem dois tipos de
problema. Um é que fenômenos importantes para a vida na
Terra são invisíveis à escala de
tempo geológico, que se mede
em milhões de anos.
Um exemplo é a extinção em
massa que varreu do mapa 90%
das espécies entre o Permiano
e o Triássico, há 252 milhões de
anos. Suas causas ainda são debatidas, mas muitos cientistas
apostam na influência de megaerupções vulcânicas na Sibéria como a causa possível.
"Se você quiser fazer essa relação, precisaremos saber a idade das erupções e da extinção
com uma precisão de 50 mil
anos", diz Bowring.
O outro problema é a dor de
cabeça que as datas relativas
causam aos paleontólogos (estudiosos de fósseis). ""Jurássico", por exemplo, é uma definição européia. O que é Jurássico
na Europa pode não ser na China", diz Kirk Johnson, paleontólogo do Museu de História
Natural de Denver (EUA). Ele e
seus pares precisam lidar com
paradoxos como a ocorrência
de aves no Jurássico alemão e
de dinossauros emplumados,
em teoria ancestrais das aves,
em rochas aparentemente mais
jovens, do Cretáceo chinês.
Peneira fina
A boa notícia é que os cientistas hoje já têm como fazer datações absolutas de rochas com
uma margem de erro de 100 mil
anos -um piscar de olhos geologicamente falando. O laboratório de Bowring no MIT e vários outros usam para isso minúsculos cristais de zircão, presentes em cinza vulcânica.
Esse mineral é um excelente
relógio geológico, por conter
átomos de urânio que decaem
(se transformam) em átomos
de chumbo com a passagem do
tempo a uma taxa conhecida.
O objetivo do Earthtime, diz
Bowring, é acertar o cronômetro de todos os laboratórios do
mundo que trabalhem com esse relógio. E estabelecer datas
absolutas para "recalibrar radicalmente a história da Terra até
a origem dos animais".
Bowring já havia ganho fama
por ter estabelecido em 543 milhões de anos a data da chamada explosão cambriana, na qual
surgiram todos os grupos de
animais conhecidos hoje. Até
então, achava-se que o evento
tivesse ocorrido a qualquer momento entre 570 milhões e 550
milhões de anos atrás.
As últimas demonstrações
dessa grande recalibragem foram publicadas por ele e colegas na forma de dois artigos
científicos, na edição de dezembro da revista "Geology".
Em um deles, os pesquisadores usaram datação por zircão
para estabelecer a idade das rochas nas quais surgiram os primeiros dinossauros: 230,91 milhões de anos, precisamente.
No outro, eles estabelecem o
tempo que a Terra levou para se
recuperar da extinção do Permiano: 5 milhões de anos.
Neste mês, os cientistas do
Earthtime, que tem 252 membros -entre eles o brasileiro
Farid Chemale Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul- tentarão precisar
mais uma data ilustre: a da extinção dos dinossauros, ocorrida, acredita-se, há mais ou menos 65 milhões de anos.
Próximo Texto: El Niño e efeito estufa farão 2007 o ano mais quente, diz britânico Índice
|