São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2001

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MEDICINA

Estudo com grupo pequeno mostra que "bomba" de hormônio teve mesmo resultado que injeções subcutâneas

Pesquisa nos EUA testa com sucesso insulina para inalar



ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
EDITORA-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Diabéticos, preparem-se para uma bomba: inalação de insulina. Uma substituta ou parceira da injeção subcutânea, testada por pesquisadores da Universidade de Miami, Estados Unidos, em diabéticos do tipo 1, demonstrou resultados animadores.
"Os resultados são muito interessantes, mostram que essa forma de aplicação de insulina é uma possibilidade futura", afirma Simão Lottenberg, professor-assistente de endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP.
O diabetes tipo 1 começa na infância, ou no começo da adolescência, e com o tempo causa a total destruição das células beta do pâncreas, que produzem insulina. Esse hormônio é responsável pela absorção de glicose -uma das fontes de energia do corpo- pelas células. Afeta cerca de 500 mil pessoas no Brasil.

Testes clínicos
A idéia de ministrar insulina sem ser por injeção é antiga. Os primeiros testes com o hormônio em um formato inalatório datam de 1925. Desde a década de 70, estudos mostram que essa forma de aplicação é bem tolerada pelo organismo, mas que apenas de 10% a 30% da insulina inalada é absorvida na circulação sanguínea.
Com o intuito de aumentar a eficiência da absorção -potencialmente alta, pois a área da superfície dos alvéolos pulmonares é de 100 m2, ou meia quadra de tênis-, foi desenvolvida uma formulação de insulina em pó. Aplicáveis por aerossol -como em uma bomba de asma- as partículas são pequenas o suficiente para entrar nas vias respiratórias.
Para a avaliação da eficácia do medicamento, foram selecionados 72 homens e mulheres, com idade média de 35 a 40 anos, diabéticos em média há 14 anos.
Eles foram divididos em dois grupos: 37 pacientes receberam de duas a três injeções subcutâneas de insulina por dia, enquanto outros 35 inalaram o hormônio antes das refeições e tomaram uma injeção antes de dormir, por um período de três meses.
Todos os pacientes monitoravam suas taxas de glicose quatro vezes ao dia, para regular a dosagem de insulina, e a inalação era feita antes das refeições.

Resultados
O teste clínico mostrou que os dois grupos tiveram resultados semelhantes: a tolerância à forma inalatória foi alta, as taxas de glicose, parecidas, a função pulmonar do grupo da aplicação por inalação foi estável e não houve diferença significativa na ocorrência de crises de hipoglicemia.
Apesar do sucesso do teste, a forma inalatória de insulina ainda precisa passar por vários estudos. Um dos problemas apontados é a uniformidade: frequentemente, em testes, uma aplicação apresentava resultado diferente da anterior. Sem uma taxa de absorção estável, a formulação deixa de ser fonte confiável de insulina.
Outra questão é a reprodução dos resultados em um período mais longo. "Três meses ainda é pouco tempo, é preciso fazer testes mais longos", afirma Lottenberg, da USP. "Esse estudo não apresentou efeitos colaterais, mas os pesquisadores precisam avaliar os efeitos de uma doença pulmonar na absorção da insulina."
Da pesquisa até o mercado, um novo medicamento precisa passar por quatro fases de desenvolvimento e testes. Os resultados obtidos pelos cientistas da Universidade de Miami, publicados na revista médica britânica "The Lancet" (www.thelancet.com), são da fase 2. Se as outras fases forem bem-sucedidas, a "bomba" de insulina poderá estar disponível em cerca de cinco anos.

Qualidade de vida
Em um comentário na "The Lancet" sobre a pesquisa, o endocrinologista Edwin Gale, da Universidade de Bristol, Reino Unido, aponta que, do ponto de vista do controle de glicose, a insulina inalatória é uma alternativa "cara e grosseira à agulha".
Mas, como aponta o próprio Gale, o diabetes é uma doença que altera todo o contexto de vida do paciente: sua auto-imagem, suas relações sociais, sua vida diária. Para essas pessoas, a agulha não é apenas uma necessidade desagradável, mas um símbolo de sua ligação com o distúrbio.
"As agulhas se tornaram menores e mais afiadas, um desenvolvimento que provavelmente beneficiou mais pacientes do que qualquer coisa que químicos que pesquisam insulina tenham produzido. A maioria das injeções do hormônio é virtualmente indolor."
"Quaisquer que sejam as limitações práticas da insulina inalatória, o significado mais profundo desse estudo na vida das pessoas não pode ser deixado de lado."


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