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Médicos temem que doença possa se disseminar com mais facilidade
LAWRENCE K. ALTMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
Foi preciso só um pouco de tosse seca para espalhar uma misteriosa doença respiratória para vários grupos de profissionais de
saúde na Ásia e matar o médico
da OMS (Organização Mundial
da Saúde) que a identificou. E
uma só pessoa, aparentemente,
espalhou a Sars (síndrome respiratória aguda grave, na sigla em
inglês) para dezenas de moradores de um prédio em Hong Kong.
Os padrões de transmissão da
doença, que já matou 64 pessoas
no mundo, sugerem a possibilidade de que ela seja capaz de se
espalhar pelo ar ou por objetos
contaminados, e não só pelo contato próximo.
O ocorrido justifica o alerta corajoso que a OMS lançou em 15 de
março, quando declarou a Sars
"uma ameaça mundial", num
momento em que os casos registrados e as mortes eram poucos. A
organização criou apressadamente uma rede de 11 laboratórios de
doenças infecciosas em nove países para rastrear a causa da Sars.
Funcionários da OMS, uma
agências das Nações Unidas, não
se lembram da última vez em que
o órgão lançou um alerta global
sobre um surto como esse. A
agência já tinha redes de laboratórios de gripe e outras doenças,
mas raramente tiveram de trabalhar em regime de emergência.
Vírus suspeitos
Em menos de duas semanas, os
laboratórios identificaram dois
vírus como os primeiros suspeitos de causar a doença (um coronavírus e um paramixovírus).
Mas, por causa da ameaça representada pela moléstia, a OMS está
restringindo as pesquisas sobre a
Sars à sua rede.
Longe de ser o último elo no
processo de descoberta, a identificação de um novo vírus é só o primeiro de muitos passos necessários para provar que um vírus
suspeito realmente é o causador
de uma doença. É possível que semanas passem até que se determine quais vírus, sozinhos ou associados, causam a Sars.
Por enquanto, o principal suspeito é um coronavírus (veja quadro acima à dir.). Os coronavírus
conhecidos causam o resfriado
comum e parecem estar ligados a
diarréias e outras doenças intestinais. Tais moléstias são raramente fatais, mas em animais a infecção pode ser devastadora.
Os vírus mais resistentes do
grupo podem sobreviver fora do
hospedeiro por até três horas, o
que permite que um objeto contaminado espalhe a infecção.
"Muitas pessoas têm tido uma
atitude muito despreocupada em
relação a esse surto, mas elas estão
começando a perceber que o problema é maior do que um resfriado comum ou uma infecção estomacal que você pegou numa viagem de avião", diz o infectologista
Mark Salter, um dos líderes da investigação sobre a Sars.
O trabalho da rede montada pela OMS já conseguiu determinar
quais os sintomas típicos da
doença, assim como formas de
prevenir seu espalhamento: fazer
com que médicos e enfermeiros
usem máscaras, luvas e roupas
descartáveis e isolar os pacientes.
Mais dados ajudarão a determinar em quanto tempo é seguro
dar alta a pacientes com Sars -a
recomendação atual é de dez dias
depois dos últimos sintomas. Da
mesma forma, ainda não é possível saber quando declarar que um
surto chegou ao fim.
Para provar que um vírus identificado em laboratório realmente
causa a Sars, os cientistas precisam desenvolver testes diagnósticos que determinem com que frequência ele estava presente nos
pacientes durante o surto e em
que estágio da doença ele apareceu. Esses passos requerem a coleta e o teste de amostras de pacientes em vários estágios da
doença e de pessoas que tiveram
contato com eles, diz Klaus Stöhr,
diretor científico da investigação.
Avisos prévios
O primeiro aviso de que algo estava errado surgiu em fevereiro,
depois que uma cepa rara de vírus
da gripe de aves matou uma pessoa e infectou outra em Hong
Kong. A mesma cepa havia matado seis pessoas na região em 1997.
O segundo aviso veio de Hong
Kong no dia 13 de março, com a
morte de um americano que havia sido transferido de um hospital em Hanói, no Vietnã, com problemas respiratórios. Logo, um
grande número de trabalhadores
dos hospitais de Hanói e de Hong
Kong desenvolveram sintomas similares.
Epidemiologistas da OMS começaram a imaginar se 305 casos
(cinco deles fatais) de uma doença respiratória na província chinesa de Guangdong poderiam ter
relação com o caso de Hong
Kong. "Todos estavam achando
que talvez fosse um novo tipo de
vírus de gripe", diz Salter.
Contudo, testes feitos por um
laboratório japonês que receberam amostras do paciente americano tiraram muitos agentes infecciosos da lista de suspeitos, inclusive todas as formas conhecidas de vírus da gripe.
Foi a partir daí que laboratórios
da Alemanha e de Hong Kong
anunciaram a identificação de um
novo paramixovírus, enquanto os
CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, órgão do governo dos EUA) encontraram um
coronavírus em pacientes.
Análise genética
Até agora, a análise de trechos
da sequência de RNA que compõe o material genético do coronavírus suspeito revelam que ele
se parece mais com o vírus da hepatite de camundongos, que causa uma doença parecida com a esclerose múltipla nos animais. A
sequência completa do RNA do
vírus deve estar concluída em
duas semanas, diz Julie Gerberding, diretora dos CDC.
Na semana passada, os cientistas desenvolveram os dois primeiros testes diagnósticos para
esse coronavírus. Mas os cientistas ainda precisam testar um
grande número de pacientes para
determinar com que frequência
os testes não conseguem identificar casos da doença e se eles podem dar positivo quando uma
pessoa não tem Sars. Os testes
também ajudarão a determinar
quantas pessoas que entraram em
contato com pacientes foram infectadas, mas não têm sintomas.
Embora os cientistas da rede estejam sobrecarregados, a OMS
não quer ampliá-la por enquanto.
"Não expandimos a rede porque
estamos estudando um vírus
muito perigoso e não queremos
encorajar laboratórios em outros
lugares a trabalhar com ele, se não
tiverem as medidas apropriadas
de contenção", diz Salter.
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