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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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Médicos temem que doença possa se disseminar com mais facilidade

LAWRENCE K. ALTMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

Foi preciso só um pouco de tosse seca para espalhar uma misteriosa doença respiratória para vários grupos de profissionais de saúde na Ásia e matar o médico da OMS (Organização Mundial da Saúde) que a identificou. E uma só pessoa, aparentemente, espalhou a Sars (síndrome respiratória aguda grave, na sigla em inglês) para dezenas de moradores de um prédio em Hong Kong.
Os padrões de transmissão da doença, que já matou 64 pessoas no mundo, sugerem a possibilidade de que ela seja capaz de se espalhar pelo ar ou por objetos contaminados, e não só pelo contato próximo.
O ocorrido justifica o alerta corajoso que a OMS lançou em 15 de março, quando declarou a Sars "uma ameaça mundial", num momento em que os casos registrados e as mortes eram poucos. A organização criou apressadamente uma rede de 11 laboratórios de doenças infecciosas em nove países para rastrear a causa da Sars.
Funcionários da OMS, uma agências das Nações Unidas, não se lembram da última vez em que o órgão lançou um alerta global sobre um surto como esse. A agência já tinha redes de laboratórios de gripe e outras doenças, mas raramente tiveram de trabalhar em regime de emergência.

Vírus suspeitos
Em menos de duas semanas, os laboratórios identificaram dois vírus como os primeiros suspeitos de causar a doença (um coronavírus e um paramixovírus). Mas, por causa da ameaça representada pela moléstia, a OMS está restringindo as pesquisas sobre a Sars à sua rede.
Longe de ser o último elo no processo de descoberta, a identificação de um novo vírus é só o primeiro de muitos passos necessários para provar que um vírus suspeito realmente é o causador de uma doença. É possível que semanas passem até que se determine quais vírus, sozinhos ou associados, causam a Sars.
Por enquanto, o principal suspeito é um coronavírus (veja quadro acima à dir.). Os coronavírus conhecidos causam o resfriado comum e parecem estar ligados a diarréias e outras doenças intestinais. Tais moléstias são raramente fatais, mas em animais a infecção pode ser devastadora.
Os vírus mais resistentes do grupo podem sobreviver fora do hospedeiro por até três horas, o que permite que um objeto contaminado espalhe a infecção.
"Muitas pessoas têm tido uma atitude muito despreocupada em relação a esse surto, mas elas estão começando a perceber que o problema é maior do que um resfriado comum ou uma infecção estomacal que você pegou numa viagem de avião", diz o infectologista Mark Salter, um dos líderes da investigação sobre a Sars.
O trabalho da rede montada pela OMS já conseguiu determinar quais os sintomas típicos da doença, assim como formas de prevenir seu espalhamento: fazer com que médicos e enfermeiros usem máscaras, luvas e roupas descartáveis e isolar os pacientes.
Mais dados ajudarão a determinar em quanto tempo é seguro dar alta a pacientes com Sars -a recomendação atual é de dez dias depois dos últimos sintomas. Da mesma forma, ainda não é possível saber quando declarar que um surto chegou ao fim.
Para provar que um vírus identificado em laboratório realmente causa a Sars, os cientistas precisam desenvolver testes diagnósticos que determinem com que frequência ele estava presente nos pacientes durante o surto e em que estágio da doença ele apareceu. Esses passos requerem a coleta e o teste de amostras de pacientes em vários estágios da doença e de pessoas que tiveram contato com eles, diz Klaus Stöhr, diretor científico da investigação.

Avisos prévios
O primeiro aviso de que algo estava errado surgiu em fevereiro, depois que uma cepa rara de vírus da gripe de aves matou uma pessoa e infectou outra em Hong Kong. A mesma cepa havia matado seis pessoas na região em 1997.
O segundo aviso veio de Hong Kong no dia 13 de março, com a morte de um americano que havia sido transferido de um hospital em Hanói, no Vietnã, com problemas respiratórios. Logo, um grande número de trabalhadores dos hospitais de Hanói e de Hong Kong desenvolveram sintomas similares.
Epidemiologistas da OMS começaram a imaginar se 305 casos (cinco deles fatais) de uma doença respiratória na província chinesa de Guangdong poderiam ter relação com o caso de Hong Kong. "Todos estavam achando que talvez fosse um novo tipo de vírus de gripe", diz Salter.
Contudo, testes feitos por um laboratório japonês que receberam amostras do paciente americano tiraram muitos agentes infecciosos da lista de suspeitos, inclusive todas as formas conhecidas de vírus da gripe.
Foi a partir daí que laboratórios da Alemanha e de Hong Kong anunciaram a identificação de um novo paramixovírus, enquanto os CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, órgão do governo dos EUA) encontraram um coronavírus em pacientes.

Análise genética
Até agora, a análise de trechos da sequência de RNA que compõe o material genético do coronavírus suspeito revelam que ele se parece mais com o vírus da hepatite de camundongos, que causa uma doença parecida com a esclerose múltipla nos animais. A sequência completa do RNA do vírus deve estar concluída em duas semanas, diz Julie Gerberding, diretora dos CDC.
Na semana passada, os cientistas desenvolveram os dois primeiros testes diagnósticos para esse coronavírus. Mas os cientistas ainda precisam testar um grande número de pacientes para determinar com que frequência os testes não conseguem identificar casos da doença e se eles podem dar positivo quando uma pessoa não tem Sars. Os testes também ajudarão a determinar quantas pessoas que entraram em contato com pacientes foram infectadas, mas não têm sintomas.
Embora os cientistas da rede estejam sobrecarregados, a OMS não quer ampliá-la por enquanto. "Não expandimos a rede porque estamos estudando um vírus muito perigoso e não queremos encorajar laboratórios em outros lugares a trabalhar com ele, se não tiverem as medidas apropriadas de contenção", diz Salter.


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