São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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ASTROBIOLOGIA

Cientistas nos EUA defendem que a atmosfera do planeta vizinho teria condições de abrigar micróbios

Poderia haver vida em Vênus, diz estudo

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Como diria o escritor Mark Twain (1835-1910), as notícias a respeito da morte da possibilidade de vida em Vênus têm sido enormemente exageradas. Um grupo de cientistas americanos acaba de sugerir a possibilidade de que micróbios sobrevivam na alta atmosfera do planeta, um lugar muito mais hospitaleiro que sua abrasante superfície.
O estudo está longe de ser conclusivo. Mas o quinteto encabeçado por Dirk Schulze-Makuch, da Universidade do Texas em El Paso, está disposto a apostar dinheiro nisso. O da Nasa, mais especificamente. Eles acham que é hora de a agência espacial americana voltar a explorar Vênus.
"Uma missão de retorno de amostras das camadas de nuvens venusianas é tecnologicamente factível e em tese poderia fornecer evidências de vida extraterrestre mais cedo e mais facilmente do que de habitats candidatos mais remotos, como Marte e Europa", escreveram os pesquisadores, em artigo na revista "Astrobiology" (www.liebertpub.com/AST/).
A superfície venusiana é um dos lugares mais inóspitos do Sistema Solar. A pressão atmosférica é 90 vezes mais intensa do que a da Terra, e a temperatura atinge os fervilhantes 460C -Vênus chega a ser mais quente que Mercúrio, o astro mais próximo do Sol.
Por séculos, com a visão obliterada pela densa atmosfera, os astrônomos especularam sobre a existência de seres venusianos. Em certos aspectos, o planeta é bem similar à Terra. Tem praticamente o mesmo diâmetro e é o que tem órbita mais parecida com a terrestre. Essas coincidências criaram mitos românticos sobre um possível mundo habitado.
Somente nos anos 1960, com o envio das primeiras espaçonaves às imediações venusianas, começou a ser delineada uma visão realista daquele planeta inóspito. O resultado foi devastador: os cientistas perderam completamente a esperança de encontrar vida lá.
Agora, a fé dos astrobiólogos parece estar retornando, graças a uma nova perspectiva. Em vez de procurar criaturas capazes de sobreviver na superfície, os cientistas decidiram investir na alta atmosfera. O grupo foi estimulado pela descoberta, três anos atrás, de micróbios que têm seu ciclo de vida completo em gotículas na alta atmosfera da Terra.
As nuvens de Vênus são bem mais simpáticas que sua superfície. A pressão atmosférica é similar à da Terra ao nível do mar e a temperatura, livre da maior parte do efeito estufa que cozinha o resto do planeta, fica em confortáveis 30C a 80C.
Claro, ainda há problemas: trata-se de um ambiente extremamente ácido (pH em torno de zero) e inundado de radiação ultravioleta, letal para criaturas terrestres. Ainda assim, Schulze-Makuch e seus colegas acham que algumas criaturas, potencialmente como as que existiram na Terra 4 bilhões de anos atrás, poderiam ter encontrado um meio de vida.
Talvez tivessem aprendido a fazer fotossíntese (converter luz em energia vital) com luz ultravioleta. Ou, numa solução mais modesta, poderiam ter desenvolvido estratégias de proteção contra o ultravioleta (versões mais agressivas de alguns mecanismos já observados em seres terrestres) usando átomos de enxofre especialmente absorventes dessa radiação presentes na atmosfera venusiana.
Ninguém garante que tenha acontecido, mas há possibilidades. "O único apoio que posso dar para nossa crença de que organismos como os terrestres poderiam ter se adaptado às condições de Vênus é um que você pode já ter ouvido antes. A vida na Terra mostrou extraordinária adaptabilidade e facilmente encontrou soluções evolutivas para viver em ambientes ácidos e com alta concentração de ultravioleta", diz Mark Bullock, do Southwest Research Institute, no Colorado, um dos autores do estudo. "É um argumento de plausibilidade."


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