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Água, essa preciosidade
Cuidar dos recursos hídricos e de sua distribuição é preservar o nosso futuro
Semana passada tive a oportunidade de conversar com um colega meu, Ben Bostick, professor
de geoquímica aqui em Dartmouth.
Ben tinha acabado de voltar do Camboja, onde pesquisa a qualidade da
água. Devastado por quatro décadas
de guerra, esse país do Sudeste Asiático sofre com muitos problemas. Porém, dentre eles, a falta de acesso a
água potável para 70% da população,
em torno de 10 milhões de pessoas, é o
mais sério. Especialmente nas áreas
rurais, as pessoas bebem água de regiões alagadas para plantações de arroz, de poças ou poços rasos, escavados sem qualquer fiscalização. Fora a
poluição normal, causada por fertilizantes, inseticidas, fezes de animais e
lixo, os habitantes têm de lidar com
outro problema, a poluição natural
por arsênico, que vem do solo e se
mistura com a água. É aqui que entra o
trabalho do Ben, o estudo dos processos que liberam o arsênico do solo,
permitindo que ele se misture com a
água a ser bebida pelas pessoas.
"É importante lembrar que o solo é
uma entidade viva", disse. Em geral, o
arsênico se combina com outras substâncias que ocorrem no solo, sem causar grandes problemas para a água.
São os micróbios que vivem no solo,
que se alimentam das substâncias que
prendem o arsênico a ele, que causam
o problema. O arsênico se mistura
com a água, que adquire uma coloração turva. Apenas 1% da população
tem acesso a água em casa. Alguns,
mais ricos, cavam seus poços e acabam bebendo água envenenada. Os
outros bebem a água que acham, em
rios ou poças. Uma em dez crianças
com menos de um ano morre devido a
infecções intestinais e má-nutrição, e
50% têm problemas de crescimento.
Nos últimos 10 anos, a diarréia matou
mais crianças no mundo do que o número de mortos em todos os conflitos
desde a Segunda Guerra Mundial.
Existem dois grandes problemas
com relação à água: falta dela e má
qualidade. O problema do Camboja é a
qualidade. Grupos de voluntários viajam pelo país cavando poços em locais
seguros. Por R$ 400 é possível cavar
um poço que fornece água potável para 1.500 pessoas. Filtros simples de
barro, distribuídos pela Cruz Vermelha, também ajudam muito. Soluções
simples requerendo poucos recursos.
Segundo estimativas da Cruz Vermelha Internacional, 40% da população mundial vive em áreas com escassez de água. Até 2025, o número aumentará para dois terços da população mundial, cerca de 5,5 bilhões de
pessoas. Em 2003, o acesso à água foi
declarado um direito fundamental
dos homens. Um direito e uma necessidade. O leitor interessado pode consultar o portal da Cruz Vermelha.
E o Brasil? Nosso país é abençoado
por uma quantidade enorme de água.
Mesmo assim, devido à falta de planejamento, à devastação do solo e à poluição de nascentes e rios tanto em
áreas rurais quanto urbanas, o problema é sério. Cerca de 20% da população ainda não tem acesso à água potável. Em áreas rurais pobres, o número
aumenta muito, chegando a 90% segundo algumas estimativas
(www.landaction.org).
Dentre os projetos que visam a
amenizar o problema, vale mencionar
a campanha que pretende construir 1
milhão de cisternas para armazenar
águas pluviais na região semi-árida
dos estados de Minas Gerais e da região Nordeste, beneficiando 18 milhões de pessoas, a maior população
vivendo em área semi-árida do mundo. As cisternas coletam água perto
das casas e são seladas de forma que a
luz (que permite o crescimento de
plantas) e os insetos não possam penetrar. A água é um bem de valor incomparável. Sem ela, a vida é impossível. Cuidar dela e da sua distribuição é
preservar o nosso futuro.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim
da Terra e do Céu"
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