São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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A química da história

Dupla de cientistas franceses recria saga da civilização inspirada em moléculas orgânicas

NIH/Divulgação
Fungo do gênero Penicillium, produtor da penicilina, cresce em cultura de bactérias sobre placa de Petri


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Muita gente que se interessa por história, sociologia e ciências humanas não guarda boas lembranças dos tempos de vestibular, quando tinha de assistir a aulas de química orgânica. Os velhos modelos com bolinhas de plástico representando átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio são freqüentemente associados a um conhecimento descartável. Regras de nomenclatura que produziam expressões como "acetato de éter monobutílico de dietilenoglicol" aborreceram muitos estudantes e muitas vezes foram ensinadas fora de contexto.
Aqueles poucos que tomaram gosto pela matéria, porém, hoje se perguntam como o vestibular conseguiu tornar tediosa e distante uma ciência exata que, na verdade, tem uma relação tão direta com a história.
Aquilo que a escola não costuma fazer pela difusão da ciência, contudo, pode à vezes ser compensado pelos livros. É o caso de "Os Botões de Napoleão", dos franceses Penny Le Couteur e Jay Burreson, recém lançado em português. Os autores, uma professora e um químico industrial, optaram por cumprir essa missão abrindo mão de escrever uma história da química em favor de uma "química da história".
O título do livro é uma referência a como o conhecimento sobre coisas aparentemente insignificantes (ou a falta dele) pode mudar o curso da história. Em 1812, o exército de Napoleão sofreu uma derrota acachapante para os russos, em grande parte por não estar preparado para enfrentar o inverno eslavo. Uma teoria controversa para explicar seu fracasso culpava os botões de estanho dos uniformes dos soldados franceses. Como a estrutura desse metal se decompõe em temperaturas baixas, os botões acabavam se esfarelando, abrindo os casacos e deixando os soldados vulneráveis ao frio.
Esse exemplo específico não se encontra no campo da química orgânica -aquela que os autores se dispõem a apresentar no livro- mas se encaixa na proposta: "A idéia de que eventos de extrema importância podem ter dependido de algo tão pequeno quanto moléculas proporciona uma nova abordagem à compreensão do avanço da civilização humana". Le Couteur e Burreson dividem a obra em 17 capítulos, cada um inspirado em uma classe de moléculas orgânicas. Ao tratar dos compostos nitrados usados em explosivos, por exemplo, o livro expõe o pano de fundo químico para a corrida tecnológica que alimentou guerras durante 700 anos.
Usando a história como contexto, os autores explicam desde a composição química da pólvora, usada em armas pala primeira vez em 1325, até a descoberta do trinitrotolueno (TNT), no início do século 20.
Na Primeira Guerra Mundial, os alemães já usavam munição à base de TNT e levaram grande vantagem sobre franceses e ingleses. Isso até os americanos criarem métodos para produção em massa da molécula e poderem suprir seus aliados com a mesma tecnologia. Ficaram relegadas ao campo da imaginação as especulações sobre o que teria acontecido se a Alemanha tivesse mantido exclusividade sobre o TNT até o fim da guerra.
A idéia de causalidade no estilo "efeito borboleta" é explorada pelos autores até o final do livro, mas as vezes incorre em afirmações um pouco exageradas, como a de que os holandeses cederam Manhattan aos ingleses "por causa da química". Em 1667, a Holanda abdicou da ilha em troca do controle do comércio de noz-moscada no Sudeste Asiático, mas só no século 20 é que foi isolada a molécula do isoeugenol, que confere à especiaria a maioria de suas características cobiçadas.
Em outros relatos no livro, porém, a ciência foi de fato determinante. Não é um exagero dizer, por exemplo, que a molécula da penicilina revolucionou a medicina e a história, salvando líderes políticos de infecções e recuperando feridos de guerra para a batalha.
O mérito mais destacável no trabalho de Le Couteur e Burreson, por fim, é o de não varrer detalhes estruturais para baixo do tapete na hora de oferecer explicações. É comum hoje ver livros de divulgação científica esconderem qualquer coisa que lembre matemática ou geometria, para não espantar leitores. Muitas vezes, porém, a ciência em si também acaba ocultada no processo.
Coerentes com sua proposta, os autores incluem no livro ilustrações da estrutura de todas as moléculas citadas: "Pensamos que a compreensão delas dá vida à trama de relações que une química e história".

Os Botões de Napoleão
Autores:
Penny Le Couteur e Jay Burreson
Tradução: Maria Luiza X. Borges
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 46,00 (344 págs.)


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