São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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ASTRONOMIA

Cientista holandês afirma que alterações na atividade do astro causaram mudanças climáticas no passado

Sol esfriou há 3.000 anos, diz pesquisador

France Presse/Nasa
Imagem do telescópio norte-americano Soho mostra explosão em mancha solar (abaixo, à direita)


KATE RAVILIOUS
DO "INDEPENDENT"

Uma pesquisa feita pelo cientista holandês Bas van Geel, da Universidade de Amsterdã, propõe que mudanças climáticas drásticas provocaram a migração em massa de grupos populacionais ao redor do globo, há cerca de 3 mil anos. A evidência foi encontrada em fósseis de plantas.
Naquela época, o clima na Terra teria sofrido uma reviravolta por causa de um esfriamento discreto e repentino do Sol, o que fez com que os trópicos ficassem mais secos e as regiões temperadas, mais frias e úmidas, segundo o biólogo. Áreas úmidas no passado, como partes da Holanda, ficaram alagadas e inabitáveis, enquanto que áreas muito secas, quase desérticas, como no sudeste da Sibéria, ficaram mais aprazíveis para a vida.
Onde antes existiam florestas robustas nos trópicos, surgiram savanas. "As pessoas que viviam nos locais onde as mudanças foram mais drásticas se viram forçadas a se mudar", explica.
Até agora, alguns climatologistas não tinham dado tanta importância para variações na atividade solar, acreditando serem pouco relevantes em comparação aos efeitos dos gases-estufa.
Mas agora um número cada vez maior de cientistas está se convencendo de que mudanças na superfície do Sol -como manchas solares, aumento de calor e liberação maciça de gases- podem causar transformações significativas no clima terrestre.
Nos últimos dez anos, Van Geel e colegas estudaram fósseis de plantas encontradas na lama e em turfas (zonas pantanosas subtropicais) em todo o mundo. A datação dos fósseis foi feita com base no carbono-14, tipo mais mais pesado de átomo de carbono.

Carbono-14
O carbono 14 se forma no choque entre raios cósmicos altamente energizados e átomos de nitrogênio. Os átomos de carbono-14 se ligam, então, ao oxigênio, formando o dióxido de carbono (CO2), que é absorvido por todos os seres vivos.
Uma vez que a planta ou o animal morre, a troca de carbono com a atmosfera é interrompida e, com o passar do tempo, o nível do carbono-14 decai. Os cientistas conseguem estimar o tempo que esse átomo leva para decair e, assim, calcular a idade do objeto.
Um outra característica do carbono-14 é que o seu nível na atmosfera varia conforme a intensidade dos raios que atingem a superfície da Terra.
Quando o Sol está muito ativo, os raios cósmicos são desviados pelo vento solar. Isso significa que, além de tornar possível a datação de um objeto, o carbono-14 pode dar uma idéia da intensidade dos raios que incidiram nele.
Ao medir variações detalhadas do isótopo do carbono em diferentes níveis da turfa, Van Geel pôde estimar a intensidade no período em que a turfa se formou.
A pesquisa mostra que, há cerca de 2.800 anos, houve um aumento abrupto mundial do carbono-14, que ocorreu simultaneamente a uma mudança no clima.
O cientista afirma que a elevação no carbono-14 significa o declínio repentino da atividade solar. Duas hipóteses poderiam explicar por que mudanças na superfície solar afetariam a Terra, segundo estudiosos. A primeira é que essas alterações determinam a intensidade dos raios na Terra, que induz à formação de nuvens. Por sua vez, as nuvens modificam o clima ao elevar a quantidade de radiação solar refletida de volta ao espaço, além de variar a incidência de chuvas. A outra sugestão é que a atividade solar influencia na quantidade de radiação ultravioleta liberada pelo Sol, que age na camada de ozônio da atmosfera, afetando, indiretamente, o clima.
Um trabalho conjunto com arqueólogos holandeses permitiu que a teoria de Van Geel ganhasse força ao mostrar que muitos grupos populacionais estavam migrando ao mesmo tempo.
Segundo os estudiosos, comunidades de fazendeiros ao oeste da província holandesa de Friesland sofreram com o aumento das chuvas há 2.800 anos. Após algum tempo, foram obrigados a se mudar para lugares mais secos.
Nessa mesma época, Camarões sofria uma crise de clima árido, segundo um estudo. Por causa da seca, florestas deram lugar a savanas, o que causou deslocamentos.
Mais recentemente, Van Geel trabalhou com arqueólogos russos para mostrar que, também por volta de 2.800 anos atrás, as pessoas aproveitaram o clima mais seco para explorar estepes ao norte da Mongólia. Antes desse período, a região era semidesértica, mas, por causa da umidade, tornou-se verde.

Efeito estufa
"O carbono-14 mostra um grande declínio na atividade solar a cada 2.300 anos", diz o holandês. "A última vez que isso aconteceu foi durante [o período conhecido como] "Pequena Idade do Gelo'", quando o rio Tâmisa congelava e as colheitas européias eram ruins.
Análises do Sol indicam que estamos vivendo em um período de intensa atividade. Van Geel e outros estudiosos propõem que a atividade intensa estaria por trás do aquecimento global. "Minha impressão é que há uma supervalorização dos gases do efeito estufa", afirma. A teoria é controversa, mas, se estiver certa, há pouco a fazer para controlar o clima.
Ao invés disso, podemos aproveitar ao máximo a luz do Sol e, talvez, começar a nos preparar para a próxima era fria na Europa ocidental, em 3950.


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