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EVOLUÇÃO
Biólogas descobrem que operárias de uma espécie européia favorecem ovos e larvas com os quais têm parentesco
Estudo flagra "nepotismo" entre formigas
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O hábito demasiado humano de
dar aquele jeitinho para favorecer
os parentes está presente até na
disciplinada sociedade das formigas. Uma dupla de biólogas fin-landesas desmascarou o nepotismo dos insetos ao descobrir que
as operárias parecem tratar com
mais cuidado ovos e larvas com
quem têm parentesco.
O achado é um dos primeiros a
mostrar que nem os insetos estão
imunes ao nepotismo, algo previsto pela teoria evolutiva sob o
nome de seleção por parentesco.
E revela uma rede de intrigas dentro do formigueiro, com as operárias tentando favorecer a rainha
da qual estão mais próximas geneticamente.
Na maioria dos insetos sociais,
seria um tanto difícil estudar possíveis tendências para o favorecimento ilícito de parentes. Colônias inteiras desses bichos costumam ser geradas por uma só rainha. Se todos são irmãos, todos
têm o mesmo grau de parentesco
entre si -e, portanto, não teriam
motivo para querer que um parente em especial leve vantagem.
Gene egoísta
Minttumaaria Hannonen e Liselotte Sundström, da Universidade de Helsinque, escolheram
uma espécie que poderia oferecer
algumas brechas para o nepotismo. Trata-se da Formica fusca,
uma formiga européia cujas colônias têm, em geral, mais de uma
rainha. Defendidas a todo custo
pelos membros do formigueiro,
elas são alimentadas pelas operárias e têm como única função pôr
ovos e mais ovos durante a vida.
Não é de hoje que o nepotismo é
considerado uma força poderosa
por trás do comportamento dos
animais. Os estudiosos da evolução costumam supor que a luta
pela sobrevivência se resume a
uma batalha para passar adiante
os próprios genes -algo que foi
apelidado de "gene egoísta" pelo
zoólogo e divulgador da ciência
Richard Dawkins.
Acontece que parentes próximos, como filhos e irmãos, carregam a metade dos genes de seus
pais ou irmãos, enquanto a fração
de genes compartilhados vai decrescendo conforme o grau de parentesco diminui.
Proteger esses parentes próximos seria uma forma de garantir
que os genes do próprio indivíduo tivessem uma chance a mais
de sobreviver. Foi com essa idéia
na cabeça que o geneticista inglês
John Haldane (1892-1964) disse,
brincando, que seria capaz de
morrer para salvar pelo menos
dois irmãos, ou oito primos,
quantidade mínima de parentes
para garantir uma chance de sobrevivência a todos os seus genes.
Foi para investigar se a teoria
continua valendo entre insetos
sociais, provavelmente as criaturas mais cooperativas do planeta,
que Hannonen e Sundström puseram mãos à obra.
A dupla construiu, em laboratório, dez formigueiros artificiais,
cada um deles "governados" por
duas rainhas diferentes. Operárias com graus diferentes de parentesco foram colocadas para
cuidar do ninho, das soberanas e
de suas crias, enquanto as pesquisadoras puseram-se a avaliar o
grau de parentesco entre as formigas usando análises de DNA.
Estratagema flagrado
"Se as formigas operárias tiverem um parentesco mais próximo
com uma das rainhas, a teoria
prediz que a participação dessa
rainha no formigueiro como um
todo tende a aumentar", explica
Hannonen, 29.
E foi exatamente isso o que a
análise genética revelou. Se a
maior parte das operárias era
mais aparentada a uma só rainha,
a maioria das novas formigas que
chegavam à fase adulta era filha
dessa soberana, assim como ela
tendia a predominar em número
de ovos e larvas.
Como as operárias foram estudadas em grupo, Hannonen diz
que é difícil precisar se todas elas
agiam de forma a favorecer suas
parentas. Tampouco é possível
saber, por enquanto, como os insetos conseguem manipular o desenvolvimento da ninhada.
"Esse é um mecanismo não-resolvido. Ainda não sabemos se as
operárias manipulam as rainhas
ou a prole", diz Hannonen. "Mas
vamos investigar isso no futuro
próximo". Como são responsáveis por todo o abastecimento do
formigueiro, as operárias poderiam tanto reduzir os suprimentos das larvas com quem não têm
laços de parentesco, ou racionar a
comida da rainha -que, assim,
perderia fertilidade e vigor.
E como os bichos sabem quem é
parente e quem é estranho? É uma
questão de química, sugere Hannonen: "Nossos estudos anteriores mostraram que a F. fusca tem
um perfil de hidrocarbonetos
[moléculas orgânicas de carbono
e hidrogênio" muito variável na
cutícula. Isso indica que a comunicação química pode ser muito
sofisticada nessa espécie, o ajuda
a fazer esse reconhecimento". O
estudo saiu na revista científica
"Nature" (www.nature.com)
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