São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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ESPAÇO

Jipe Opportunity obtém confirmação de que a área de Meridiani Planum foi recoberta por água líquida no passado

Marte já foi planeta habitável, diz a Nasa

JPL/Nasa
Detalhe da rocha El Capitan, estudada pelo jipe Opportunity


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O que era apenas uma desconfiança agora virou certeza: Marte teve um passado molhado, com as condições necessárias para abrigar formas de vida.
Pesquisadores da Nasa anunciaram ontem que o local em que hoje está localizado o jipe Opportunity, na região de Meridiani Planum, já esteve coberto por grandes quantidades de água. Talvez tanta quanto a existente nos Grandes Lagos, na Terra.
O anúncio, feito com toda a pompa em uma entrevista coletiva realizada na sede da agência espacial americana, em Washington, pode ter sido a descoberta mais importante feita pelos Mars Exploration Rovers, os veículos robóticos enviados à superfície marciana justo para procurar sinais de que o planeta vermelho já tenha abrigado água líquida em algum ponto do passado.
"A Nasa lançou a missão dos Mars Exploration Rovers especificamente para verificar se ao menos uma parte de Marte pode ter tido um ambiente persistentemente molhado que possivelmente fosse propício à vida", disse James Garvin, cientista-chefe dos programas de exploração da Lua e de Marte. "Hoje temos fortes evidências para uma resposta empolgante: sim."
Embora a presença de água em estado líquido seja considerada o pré-requisito essencial para a existência de vida, ninguém se arrisca a dizer que Marte com certeza já foi palco para a atividade biológica. "Isso não quer dizer que a vida esteve lá", disse Steve Squyres, líder científico da missão. "Mas esse foi um lugar habitável."
Quatro achados diferentes obtidos pelo jipe Opportunity permitiram aos cientistas confirmar com tanta certeza o aquoso passado marciano. Algumas microesferas observadas com o microscópio poderiam ser resultado da ação de água. Pequenas fissuras nas rochas também indicavam potencial fluxo do líquido. A presença de grandes quantidades de enxofre era estranhamente suspeita. E o golpe de misericórdia veio com leituras do espectrômetro Mössbauer, um instrumento capaz de indicar a composição de diversos minerais presentes nas pedras e no solo marcianos.
Com ele, os cientistas encontraram sinais de jarosita, uma espécie de sulfato hidratado. Juntando tudo isso, é impossível não pensar que água esteve naquela região no passado -e em abundância. "Deve ser muita, um bom depósito", disse à Folha Paulo Antônio de Souza Júnior, um físico da Companhia Vale do Rio Doce que está trabalhando na missão dos jipes americanos no JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa, em Pasadena, na Califórnia. O pesquisador brasileiro esteve envolvido justamente no desenvolvimento do espectrômetro Mössbauer que está nos dois jipes.
"O espectrômetro foi fundamental para essa descoberta", afirma. "A presença de jarosita é conclusiva. As outras informações ajudam a montar o quebra-cabeça e essa linda visão científica da presença de água."
Os resultados vêm confirmar uma velha tese dos cientistas: a de que o planeta vermelho já foi bem mais azul antigamente.
Desde o início da era espacial, imagens da superfície marciana obtidas por sondas têm mostrado recortes cuja aparência é idêntica à de leitos de rios secos. Mais recentemente, com as sondas americanas Mars Global Surveyor e Mars Odyssey, foi possível determinar que há depósitos de hematita -um mineral que costuma se formar na presença de água- no solo marciano. Também foram localizadas grandes quantidades de gelo no subsolo, informação confirmada no início do ano pela sonda européia Mars Express.
No entanto, nenhuma informação obtida in loco na superfície marciana confirmava sem deixar dúvidas essa hipótese do passado molhado. Os jipes da Nasa agora superaram essa dificuldade, no que pode marcar uma nova fase do projeto de exploração de Marte. Termina a busca pela água e passa-se ao que realmente interessa: a caça à vida.


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