São Paulo, segunda-feira, 03 de junho de 2002

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AMBIENTE

Dez anos após início da cúpula do Rio, chefe do programa ambiental da organização diz que ajuda a pobres caiu

Diretor da ONU vê buraco em implementação da Eco-92

Associated Press - 11.jan.2001
Klaus Töpfer fala em entrevista coletiva em Genebra, na Suíça


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

No dia 3 de junho de 1992, representantes de 172 países iniciaram no Rio de Janeiro a maior reunião diplomática da história, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento -a Eco-92.
Exatos dez anos depois, a implementação das recomendações da conferência ainda esbarra, entre outros problemas, na questão da ajuda financeira do Primeiro Mundo aos países pobres.
A promessa feita pelas nações ricas na conferência do Rio de que 0,7% do seu PIB seria destinado a auxiliar as subdesenvolvidas a sair da miséria sem comprometer o ambiente não foi cumprida. Na verdade, a situação piorou.
"No Rio, tínhamos algo entre 0,3% e 0,37% [do PIB]. Hoje nós temos 0,22%, Então a ajuda diminuiu", afirma Klaus Töpfer, 64, diretor executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). "Há um buraco entre as decisões do Rio e a implementação nos últimos dez anos."
Esse é apenas alguns dos problemas que o alemão Töpfer e seus colegas terão de enfrentar a partir de 26 de agosto, quando começa em Johannesburgo, África do Sul, a conferência que marca os dez anos da Eco-92.
A Rio +10, esvaziada especialmente após os atentados de 11 de setembro, já começa desacreditada. Primeiro, ela luta contra uma agenda tão extensa que pouca gente acredita que dela possam sair decisões concretas -a Eco-92 produziu convenções sobre biodiversidade e clima e a última gerou o Protocolo de Kyoto contra o efeito estufa.
Segundo, pelo fato de ser sediada na África, há o temor de que os problemas africanos dominem a pauta das discussões.
Töpfer discorda. Para ele, a cúpula de Johannesburgo é uma oportunidade de tomar decisões concretas: "Nós temos os alvos", afirmou em entrevista exclusiva, concedida por telefone da sede do Pnuma, em Nairóbi (Quênia). Leia trechos da conversa:

Folha - Um dos maiores problemas da Rio +10 é a falta de um foco preciso. Teme-se que a conferência acabe se perdendo em conversa diplomática. O sr. vê esse risco?
Klaus Töpfer -
Eu sinceramente acredito que podemos evitar isso, adicionando compromissos concretos a implementar. Nós temos os alvos. Nós temos os alvos da Declaração do Milênio, que prevê uma redução de 50% no número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia até 2015. Agora temos de ir nessa direção.

Folha - O relatório Geo-3 (Panorama Ambiental Global), apresentado no dia 22 pelo Pnuma, mostra que os problemas ambientais mais graves projetados para 2032 acontecem num cenário em que a prioridade é dada aos mercados. A globalização é inimiga do ambiente?
Töpfer -
Ela não deve ser um inimigo, menos ainda do ambiente. Nós sabemos que a globalização tem também o grande potencial de diminuir a pobreza e de dar aos países em desenvolvimento uma perspectiva clara de desenvolvimento econômico sustentável. Mas o que está claramente assinalado é que as forças de mercado precisam estar ligadas a decisões políticas, com a integração da sociedade civil e de organizações não-governamentais.

Folha - Dos quatro cenários apresentados pelo relatório (prioridade para a segurança, para os mercados, para políticas públicas e para a sustentabilidade), qual tende a se realizar se ninguém fizer nada?
Töpfer -
Muito provavelmente o cenário de prioridade para os mercados, porque a prioridade para a sustentabilidade precisa de decisões e ação política concreta. Então, não fazer nada não é uma opção. Mas, por outro lado, os fatos apresentados no relatório dão a base clara para a ação, porque nos últimos 30 anos e nos últimos dez anos desde o Rio os problemas que não foram combatidos o suficiente aumentaram.

Folha - Como o sr. avalia o estado do mundo na última década? Onde se progrediu e onde se retrocedeu?
Töpfer -
Houve esforços honestos na integração da sociedade civil. Por exemplo, o movimento bem-sucedido das agendas 21 locais. Há sucessos em acordos ambientais internacionais, como o protocolo sobre gases que destroem a camada de ozônio. Os países desenvolvidos fizeram progressos no que diz respeito a reciclagem e redução de poluentes do ar. Por outro lado, temos um processo de deterioração global, ligado primeiro ao aumento no padrão de consumo dos países desenvolvidos e à pobreza nos países em desenvolvimento.

Folha - Uma grande preocupação a respeito do encontro de Johannesburgo é que a conferência fique refém dos problemas africanos que, todos sabem, são grandes.
Töpfer
- Eu não vejo esse risco. Mas esse encontro não está sediado na África por acaso. Os imensos problemas deste continente terão destaque na agenda. Mas todo mundo está convencido de que os problemas do desenvolvimento sustentável da América Latina e do Caribe, por exemplo, também demandam todo o nosso esforço. Isso também é verdade para a Ásia e o Pacífico e, por último, mas não menos importante, para a Europa, porque a Europa e os EUA, os chamados países desenvolvidos, estão longe de ser sociedades sustentáveis.

Folha - Um dos pontos principais da proposta que os países da América Latina e Caribe levarão a Johannesburgo é a cobrança dos 0,7% do PIB dos países ricos para o auxílio ao desenvolvimento dos pobres. O que é possível fazer para que essas nações cumpram o compromisso assinado no Rio?
Töpfer -
Primeiro, o Pnuma está convencido de que a meta de 0,7% do PIB não deve ser questionada. Segundo, acreditamos que houve um progresso muito importante em Monterrey, neste ano. Antes dessa conferência, a ajuda ao desenvolvimento havia sido reduzida. Em Monterrey ficou decidido que os países desenvolvidos aumentariam outra vez a ajuda oficial ao desenvolvimento. Ela não vai direto aos 0,7%, mas põe a tendência na direção certa.

Folha - Em 1992 foi estimado que 125 bilhões de dólares precisariam ser gastos até o ano 2000 para implementar as recomendações da Agenda 21. Quanto se estima que deverá ser gasto nos próximos dez anos para cumprir essas metas?
Töpfer -
Os 125 bilhões foram calculados sobre o 0,7% da ajuda internacional. No Rio, tínhamos algo entre 0,3% e 0,37%. Hoje nós temos 0,22%, Então a ajuda diminuiu! E, portanto, há um buraco entre as decisões do Rio e a implementação nos últimos dez anos. Por isso, é importante integrar esse tópico na discussão e destacar que a ajuda oficial é um tópico. O segundo é o investimento estrangeiro, daí a grande importância do comércio, e há também a governança nos países em desenvolvimento e a transferência de tecnologia, que também é necessária. Então eu não quero me fixar só na ajuda oficial, nos 0,7%.


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