São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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ESPAÇO

Sonda americana captou sinais de atividade geológica e iniciou procura por oceanos de metano na lua de Saturno

Cassini faz seu primeiro sobrevôo de Titã

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A sonda americana Cassini concluiu com sucesso ontem o primeiro sobrevôo de Titã, a maior das luas de Saturno e a segunda maior de todo o Sistema Solar. Foi a primeira de várias oportunidades que a missão -com duração estimada de quatro anos- terá de investigar aquele mundo.
Titã há muito se recusa a revelar sua superfície aos estudiosos. A atmosfera é tão densa e enevoada que é praticamente impossível enxergar o solo diretamente. Apenas uns poucos raios de luz, em freqüências bem específicas, conseguem atravessá-la e revelar o que se esconde sob o véu alaranjado de suas nuvens.
Esse primeiro sobrevôo não foi muito próximo -a distância mínima entre a Cassini e Titã ficou na casa dos 340 mil quilômetros. Em outubro, um novo encontro está programado, e esse sim vai quase tirar lasca: a nave passará a meros 1.200 quilômetros do alvo -menos de um quarto do diâmetro daquela lua, de cerca de 5.150 quilômetros.
Com esse tamanho, o satélite só não é um planeta porque está girando ao redor de Saturno, em vez do Sol. Porte planetário ele tem -chega mesmo a ser maior que Mercúrio e Plutão.
Os dados obtidos agora estão sendo processados pelo JPL (Laboratório de Propulsão a Jato). São basicamente imagens de raios de luz visível e infravermelha.
"Hoje pode ser o dia em que faremos o maior salto no nosso entendimento de Titã", disse à Folha John Spencer, pesquisador do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado. Ele está envolvido num dos instrumentos da Cassini e ontem estava ansioso pelos resultados. "Mas tudo vai depender da névoa. Se a câmera ISS conseguir penetrar a névoa, devemos obter um mapa detalhado de um quarto da superfície de Titã, apenas pelas imagens."
Isso tem tudo para acontecer. A ISS, principal câmera da Cassini, conseguiu fazer um mapeamento de baixa resolução da superfície de Titã conforme se aproximava do sistema saturnino. Essas imagens são, de longe, as melhores já obtidas da lua. E, com o sobrevôo, a qualidade tende a melhorar.
Do que já foi processado, os cientistas conseguiram ver traços de atividade de potenciais placas tectônicas na superfície. E começou a caça aos oceanos. "Poderemos detectar oceanos nessa passagem se conseguirmos ver o Sol brilhando na superfície deles através da névoa", diz Spencer.

Metano líquido
Os oceanos de Titã não seriam feitos de água. A temperatura é muito baixa para que essa substância permaneça em estado líquido na superfície. Em vez disso, espera-se encontrar oceanos de hidrocarbonetos -especialmente metano, que nas temperaturas terrestres costuma ser gasoso.
Um mapeamento realmente detalhado da superfície deve vir no sobrevôo de outubro. Com a proximidade, será possível usar o sistema de radar da sonda para desvendar as minúcias do solo. O uso de radar para mapeamento foi crucial no passado, para revelar o aspecto do chão de Vênus. É outro astro que ganhou fama por ter nuvens que inviabilizam a observação direta do solo.
"E o dia em que a sonda Huygens entrar na atmosfera, em janeiro, será um salto ainda maior", afirma Spencer. A Huygens é a companheira de viagem da Cassini. Construída pela ESA (Agência Espacial Européia), ela será a primeira nave a fazer um pouso em outra lua que não a da Terra. Atualmente, está presa ao corpo da Cassini, de onde deve se desprender no final do ano.
Até o final da missão, que custou US$ 3,2 bilhões, a nave americana deve fazer mais de 40 sobrevôos de Titã. É provavelmente o maior alvo científico da missão, e não sem motivos. Os cientistas acreditam que em meio à névoa de Titã se escondam segredos intimamente relacionados a um dos maiores mistérios da ciência -como a vida surge?
Ninguém acredita que haja algo vivo na lua, dada a temperatura local (algo em torno de -180C), mas muitos pesquisadores acreditam que o ambiente de Titã, em especial sua atmosfera, seja muito parecido, em composição e densidade, com o que a Terra teria tido em tempos remotos -época em que a vida surgiu por aqui.


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