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ELO ENCONTRADO
Tomografia em fóssil sugere que o controverso "Homem do Milênio" já caminhava sobre duas pernas
Hominídeo de 6 milhões de anos era bípede
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O fóssil de ancestral humano
mais controverso do mundo volta
a causar polêmica. Um estudo publicado hoje afirma que o Orrorin
tugenensis já andava sobre dois
pés há 6 milhões de anos. Se confirmada, a descoberta recuará em
1,5 milhão de anos a origem da família humana. Mas há cientistas
que duvidem dela.
Encontrado nos montes Tugen,
Quênia, em 2000, o Orrorin causou furor quando foi apresentado
à imprensa naquele ano. A espécie, representada por fragmentos
de dente, ossos da perna e mandíbulas, seria o ascendente mais antigo da humanidade.
Seus descobridores, os franceses Martin Pickford, do Collège de
France, e Brigitte Senut, do CNRS
(Centro Nacional para a Pesquisa
Científica), o apelidaram de "Homem do Milênio", e só viriam a
descrever oficialmente os fósseis
no ano seguinte. A pressa em
trombetear a descoberta antes de
fazê-la passar pelo crivo de outros
cientistas gerou desconfiança na
comunidade acadêmica.
"Eles sempre negaram a outros
pesquisadores acesso ao fóssil",
disse à Folha o paleontólogo Daniel Lieberman, da Universidade
Harvard (Estados Unidos).
Mesmo assim, Pickford e Senut
insistiam em afirmar que as características anatômicas do Orrorin o aproximavam mais do homem moderno do que os australopitecos, grupo do qual teria
evoluído o gênero Homo.
A dupla francesa nunca havia
conseguido convencer os paleoantropólogos de seus argumentos. Hoje, um estudo no periódico científico "Science"
(www.sciencemag.org) começa a
mudar a história. Uma tomografia computadorizada feita no único pedaço de fêmur mais ou menos completo do Orrorin tugenensis indica que o animal, do tamanho de um chimpanzé, era
provavelmente um bípede.
Pescoço revelador
O exame foi feito por uma equipe norte-americana, liderada por
Robert Eckhardt, da Universidade do Estado da Pensilvânia.
Olhando por dentro da cabeça do
fêmur (parte do osso em forma de
bola que se encaixa na bacia) e do
"pescoço" que a liga ao restante
do osso, a equipe de Eckhardt
descobriu um detalhe fundamental: o tal pescoço é mais espesso na
parte de baixo do que na de cima.
Dito assim, parece bobagem.
Mas esse detalhe é o que separa
primatas bípedes, como o homem e seus ancestrais, de semibípedes ou quadrúpedes como
chimpanzés e gorilas. Isso porque
o ponto máximo de tensão num
animal que anda sobre duas pernas é na parte inferior da junção
do fêmur, que precisa de um reforço. "Em chimpanzés e gorilas,
a espessura das partes superior e
inferior do osso são iguais", disse
Eckhardt. "Em humanos, o osso
em cima é mais delgado que embaixo a uma razão de um para
quatro ou mais. A razão nesse fóssil é de um para três", diz. "Eu poderia ver uma linha ligando o Orrorin aos humanos atuais."
Caso encerrado? De jeito nenhum. "A espessura do fêmur é
indicativo de bipedalismo, não
diagnóstico", diz Lieberman. Segundo ele, as tomografias realizadas são de "péssima qualidade", o
que pode comprometer a análise.
Eckhardt reconhece que a tomografia não é perfeita. "É o que
você esperaria de espécimes quebrados de 6 milhões de anos. É
maravilhoso que tenhamos podido observar tanta coisa."
Lieberman trabalha com o arquirrival de Senut, o também
francês Michel Brunet, que em
2002 descreveu outro suposto ancestral humano antigo, o Sahelanthropus, de 7 milhões de anos.
A equipe de Brunet deve publicar em breve uma análise de seu
fóssil, que tentará responder também à questão do bipedalismo, o
que pode rebaixar o Orrorin a
apenas mais um galho na árvore
genealógica humana.
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