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Para arqueólogo, os primeiros americanos poderiam ter vindo até mesmo da Europa
O subsolo é o limite
A sorte está lançada. Depois do forte abalo no paradigma "Clovis-first", a arqueologia americana ganhou asas. Pesquisas em número cada vez
maior de sítios poderão até mesmo revelar ligações entre os ancestrais dos índios americanos e os europeus da Idade da Pedra. "Ninguém vai ficar esperando muito por isso, mas são possibilidades", diz o texano
Thomas D. Dillehay, 52, cujos trabalhos no sul do Chile
chacoalharam o modelo.
Apaixonado pela América Latina, Dillehay, que já trabalhou no Uruguai, no Peru, no México e no Chile, falou à Folha por telefone, de sua sala na Universidade do
Kentucky, em Lexington.
O último capítulo do seu livro se chama "Questões Pendentes", onde o sr. enumera perguntas como quando o
homem chegou à América. O sr. acha que essas questões
serão respondidas um dia?
Com relação ao item "quando", eu acho que nós
nunca iremos encontrar o primeiro sítio, ou precisar
se foram 12 mil, 15 mil ou 25 mil anos. Acho que,
com mais pesquisa no futuro e melhor exame dos sítios já descobertos, poderemos ter uma boa idéia de
quando as pessoas chegaram à América, mas provavelmente tenhamos de ficar dizendo coisas como
"há cerca de" 15 mil, 16 mil anos. Nunca seremos capazes de cravar uma data, ao menos não com a tecnologia disponível hoje.
A quem interessa saber quem foram os primeiros?
Há várias questões importantes envolvidas. Uma delas -e eu não estou classificando em ordem de importância- é que qualquer pessoa, em qualquer sociedade, em qualquer cultura, quer saber quem são
os seus bisavós. E eu acho que, no Novo Mundo, dado o tamanho das populações indígenas, nós precisamos saber de onde essas primeiras pessoas vieram
para entender a sua história e os seus mitos.
Segundo, quando arqueólogos e antropólogos físicos dão um passo para trás e olham para os relacionamentos passados entre seres humanos e o ambiente, é como se falassem do aquecimento global
hoje. É importante para entender para onde estamos
indo. Depois, a questão é interessante quando você
olha para toda essa história de globalização e identidades nacionais e locais. A arqueologia é extremamente importante para que lugares como Zimbábue, Israel, países do Oriente Médio e México encontrem suas identidades étnicas.
Levou mais de 20 anos para que o sr., um americano, conseguisse apresentar evidências convincentes contra o
paradigma Clovis. Podemos considerá-lo morto agora?
Existem alguns tipos turrões nos EUA que não largam o osso. Eu diria que, empiricamente, ele está
morto. Mas ainda vive espiritualmente, encarnado
em pessoas que dedicaram toda sua carreira a ele, ou
em alguns acadêmicos mais jovens que não querem
desistir dele porque vêem nisso a oportunidade de
fazer o nome. E há alguns que são sinceramente dedicados a apoiar Clovis. Mas eu tenho visto uma mudança clara nos últimos três ou quatro anos em congressos científicos. Antigamente, quando você falava
em pré-Clovis, as pessoas meio que deixavam você
falar e quase nunca perguntavam nada. Agora, até a
turma de Clovis levanta e diz: "Eu acho que nós precisamos olhar os sítios pré-Clovis, mas eu ainda
apóio o paradigma". Hoje os defensores de Clovis
foram reduzidos a 5% ou 10% da comunidade.
Qual foi a parte mais dura na época de encarar seus pares
nos EUA, ao propor as datas de Monte Verde?
Eu acho que o pior de tudo foi apresentar as datações. As pessoas ficavam perguntando sobre contexto, contexto, contexto. Não queriam acreditar. Depois, eu acho que havia e ainda há um grande viés
contra muitos sítios na América Latina. Isso remonta a 1911, quando Alês Hrlicka, da Smithsonian Institution, foi até a Argentina visitar um sítio que estava
sendo escavado por uma equipe italiana, que especulava que havia um monte de sítios paleolíticos antigos ali. O que ele fez foi voltar a Washington com a
idéia de que os sul-americanos estavam exagerando,
fazendo má pesquisa, e de que seus dados estavam
errados. Isso estabeleceu uma atitude entre muitos
arqueólogos norte-americanos de que os sul-americanos não eram bem formados e que todos os seus
dados tinham de ser avaliados minuciosamente. De
certa forma, essa atitude ainda está conosco, hoje.
Havia preconceito contra pesquisadores latino-americanos?
Sim. Há um certo grau de chauvinismo norte-americano envolvido na avaliação da pesquisa e dos sítios
antigos na América Latina. O problema é que os norte-americanos acham que eles devem ter a última
palavra em qualquer assunto relativo a povos antigos. (Niède) Guidon escreveu muito sobre isso. É
claro, nem todos os americanos pensam assim.
O sr. chegou a ser boicotado por causa da pesquisa em sítios da América do Sul?
Passei por isso no final da década de 70, quando comecei a trabalhar. A National Geographic Society
cortou meu financiamento para pesquisa em Monte
Verde. Durante o começo dos anos 80, era muito difícil conseguir dinheiro da National Science Foundation. Foram tempos difíceis até para meus estudantes obterem verba.
O que se pode esperar dessa fase "pós-Clovis" da arqueologia americana?
Em primeiro lugar, pesquisa interdisciplinar, com
envolvimento da genética e da antropologia física,
como o trabalho de Walter Neves com esqueletos.
Acho que essas duas áreas podem fazer o que nós,
arqueólogos, não podemos, como ligar populações
diferentes e estabelecer padrões de migração.
Por outro lado, essas áreas precisam do contexto
arqueológico para calibrar as datas. O que acho empolgante em tempos pós-Clovis é que não há mais
modelo único, que reza que as pessoas vieram todas
do nordeste da Ásia e eram caçadoras de mamutes.
Esse modelo ainda funciona, mas para uma área
muito específica, as Grandes Planícies dos EUA.
Acho que as portas se abriram tanto que nós estamos querendo antecipar que as pessoas vieram em
múltiplas ondas migratórias, não só do norte e do sul
da Ásia, mas também de outras partes.
Quais, por exemplo?
Poderiam ter vindo até da Europa, deslocando-se
através das calotas polares. É uma possibilidade remota, mas ainda é uma possibilidade. Há vários sítios ao longo da costa leste dos EUA que sugerem ligações com as culturas solutreanas da França e da
Espanha. As tecnologias líticas são bastante similares. Há pedras que têm desenhos geométricos muito
parecidos com os que vemos na Europa. De novo, é
uma possibilidade remota, mas as assinaturas conectando essas duas áreas são fortes o suficiente para
que nos perguntemos se não havia mesmo alguma
coisa acontecendo. Há a possibilidade de pessoas
chegando dos dois lados do oceano, da Europa e da
Ásia ocidental e oriental. Talvez até da África, quem
sabe?
(Claudio Angelo)
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