São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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PALEONTOLOGIA

Organismo com simetria bilateral, traço de seres mais complexos, viveu há mais de 580 milhões de anos

China tem animal "moderno" mais antigo

MARCUS VINICIUS MARINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A China está se confirmando como o novo berço da evolução. Segundo um estudo de chineses e americanos, fósseis minúsculos achados no país mostram que formas de vida complexas surgiram bem mais cedo do que se imaginava -pelo menos 30 milhões de anos antes.
Os cientistas descobriram em rochas de fosfato a evidência mais antiga de animais complexos o suficiente para ter simetria bilateral -situação na qual o corpo pode ser dividido em duas metades opostas e semelhantes. A característica está presente em animais considerados mais "avançados", como insetos, peixes e seres humanos.
Os fósseis de um animal de dois décimos de milímetro, encontrado na província de Guizhou, no sul da China, têm de 580 milhões a 600 milhões de anos de idade. As evidências apontam que esse minúsculo bicho, o Vernanimalcula guizhouena, tinha uma boca, uma faringe e duas proeminências que lhe serviam como sistema sensorial, apontando o caminho a ser seguido. Isso é uma surpresa para a comunidade científica, já que se achava que animais assim só haviam surgido pouco antes do período Cambriano, que começou há 540 milhões de anos.
"Eram minúsculas estruturas ovais que andavam no fundo de águas rasas, sugando micróbios e pequenas criaturas oceânicas", disse um dos autores da pesquisa, o americano David Bottjer, 52, da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA. "Achamos pistas importantes sobre a origem da vida e sobre como e quando os animais evoluíram na Terra. Pensávamos que a vida tivesse evoluído depois, mas nosso estudo empurra para trás a fronteira."
A primeira forma de vida viveu há mais de 3 bilhões de anos. Segundo Bottjer, o advento da simetria bilateral foi um marco evolutivo. "É uma coisa ligada à movimentação dos animais. Como eles passam a ter um "eixo" que delimita lados bem definidos, podem se mover em uma direção determinada e em linha reta."
Para ele, deve ter existido um animal ainda mais velho com esse tipo de orientação corporal. "A complexidade do organismo que encontramos sugere que devem existir organismos bilaterais ainda mais velhos, pelo menos mais uns 100 milhões de anos. Aliás, é o que tentaremos achar agora. Temos certeza que, se continuarmos estudando essas rochas, acharemos mais alguma coisa."

Rochas e trilhas
As rochas da formação geológica de Doushantuo, onde foram achados os microrganismos, escavadas minuciosamente pelos colaboradores chineses de Bottjer, podem ter provocado uma reviravolta para a paleontologia. Antes se achava que esse e outros níveis de complexidade só haviam aparecido durante a chamada "explosão do Cambriano".
"A "explosão" foi um grande florescimento de animais, e há basicamente duas vertentes de interpretação. A primeira diz que foi nessa época que as principais formas de complexidade, como a bilateralidade, apareceram. Nossa descoberta dá mais subsídios para a outra, que diz que esses fatores de complexidade já existiam e que tudo o que ocorreu foi uma ampliação da escala: os animais começaram a ficar maiores."
As descobertas, no entanto, já provocam polêmica. Segundo Stefan Bengston, do Museu Sueco de História Natural, em Estocolmo, os supostos fósseis podem nem ter sido originados de seres vivos e ser apenas formações incomuns de minerais.
Bottjer rejeita a hipótese: "É normal que algumas pessoas estejam céticas quanto a nossos resultados, já que é difícil pesquisar coisas tão pequenas e tão velhas. Mas temos dez espécimes do nosso animal e os investigamos de tantas maneiras que posso dizer, com certeza, que estavam vivos."
Segundo o americano, a existência dos microorganismos era esperada. "Já havia evidências genéticas de que esse tipo de animal devia ser mais antigo que os do começo do Cambriano. Animais bilaterais normalmente deixam trilhas no solo, o que ninguém havia visto. Isso nos levou a pensar que, se eles existissem, deveriam ser microscópicos", diz Bottjer. "Por isso, acho, ninguém descobria esses rastros", afirma.
Seu estudo sai hoje na versão on-line da revista "Science" (www.sciencexpress.org).


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