São Paulo, sábado, 04 de junho de 2005

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PALEONTOLOGIA

Datação sugere que humanos e grandes mamíferos conviveram por 15 mil anos; clima teria causado extinção

Homem não matou megafauna australiana

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

A teoria de que a chegada dos humanos modernos foi um desastre imediato para os grandes mamíferos da Idade do Gelo acaba de receber um golpe vindo do outro lado do mundo. Paleontólogos da Austrália dataram com o máximo de cuidado um sítio cheio de ossos dessa megafauna e concluíram que, nele, pessoas e mamíferos gigantes conviveram por pelo menos 6.000 anos -o que poderia tirar do Homo sapiens a responsabilidade pela extinção dos bichos.
"Não sei como alguém ainda pode defender a idéia de "overkill" [matança rápida] da megafauna diante de uma convivência de vários milhares de anos como essa", afirmou à Folha Judith H. Field, principal autora do estudo. "Quando as pessoas chegaram a Cuddie Springs [nome do sítio estudado], encontraram uma fauna que já estava bastante depauperada. As extinções aparentemente já estavam a caminho", afirma Field, pesquisadora da Universidade de Sydney.
O trabalho está na edição desta semana da revista científica "PNAS" (www.pnas.org) e, para Field, resolve de uma vez por todas a celeuma em torno de Cuddie Springs. À primeira vista, o sítio parece o laboratório ideal para entender como humanos e supermamíferos conviveram. Ele abriga uma seqüência ininterrupta de sedimentos, nos quais se misturam ossos de animais e ferramentas de pedra, com idade estimada entre 36 mil e 27 mil anos.
Se ossos e utensílios têm de fato a mesma idade, como a proximidade entre eles sugere, isso significa uma convivência de longo prazo entre humanos e megafauna. Por outro lado, os defensores da tese do "overkill", como o australiano Tim Flannery, propõem que a chegada do Homo sapiens ao continente-ilha há cerca de 45 mil anos foi seguida de uma verdadeira campanha de extermínio, que não teria durado muito mais de um milênio. Os humanos teriam usado não apenas suas armas da Idade da Pedra mas também o fogo, que varreu a paisagem australiana e ajudou a torná-la árida.
Acontece que os proponentes do "overkill" afirmam que a estratigrafia de Cuddie Springs está toda bagunçada. "Basicamente, eles argumentam que os ossos ou vieram de outro nível, ou que são sobras de depósitos mais antigos, cujo sedimento foi retirado pela água e pelo vento. Depois, eles teriam sido cobertos por sedimento mais novo", conta Field.

Sem perturbação
O que a pesquisadora e seus colegas fizeram foi usar um método relativo de datação para provar que não houve remexida nenhuma nos sedimentos. Para isso, eles usaram os chamados elementos de terras raras -elementos químicos que são absorvidos rapidamente pelos ossos no processo de fossilização e que variam de acordo com a química da água que os carrega. Ossos de níveis diferentes têm quantidades diferentes desses elementos.
O grupo verificou que esse era mesmo o caso: não havia mistura entre os ossos de cada camada, a julgar pela quantidade dos elementos nos fósseis datados entre 36 mil e 30 mil anos atrás. Tudo indica, portanto, que os cangurus de dois metros de altura e as aves de 2,2 m de Cuddie Springs conviveram por milênios com pessoas. Na época, a Austrália também abrigava monstros como o Diprotodon, um herbívoro com cerca de duas toneladas, e o "leão marsupial" Thylacoleo carnifex, um caçador de 100 kg cuja mordida é a mais forte entre os mamíferos carnívoros de todos os tempos.
Por outro lado, o desaparecimento da megafauna no sítio coincide com um período de seca feroz e prolongada na região. É isso que leva os pesquisadores a propor que a mudança climática tenha sido a principal vilã da extinção. "Além do mais, não há nenhuma evidência de tecnologia especializada para a caça de grandes animais", afirma Field.

Outras extinções
Dezenas de milhares de anos depois da hecatombe australiana, a megafauna da América (incluindo dentes-de-sabre que caçavam no cerrado brasileiro e mamutes nos EUA) também desapareceu. Segundo Field, embora seja perigoso generalizar, os dados australianos também lançam luz sobre as outras extinções: "Tenho de ressaltar que esse é um problema ecológico complexo: nenhuma explicação simplista será suficiente. Nunca saberemos os detalhes precisos de cada extinção, mas está claro que os seres humanos foram só um dos fatores".


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