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PALEONTOLOGIA
Datação sugere que humanos e grandes mamíferos conviveram por 15 mil anos; clima teria causado extinção
Homem não matou megafauna australiana
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
A teoria de que a chegada dos
humanos modernos foi um desastre imediato para os grandes
mamíferos da Idade do Gelo acaba de receber um golpe vindo do
outro lado do mundo. Paleontólogos da Austrália dataram com o
máximo de cuidado um sítio
cheio de ossos dessa megafauna e
concluíram que, nele, pessoas e
mamíferos gigantes conviveram
por pelo menos 6.000 anos -o
que poderia tirar do Homo sapiens a responsabilidade pela extinção dos bichos.
"Não sei como alguém ainda
pode defender a idéia de "overkill"
[matança rápida] da megafauna
diante de uma convivência de vários milhares de anos como essa",
afirmou à Folha Judith H. Field,
principal autora do estudo.
"Quando as pessoas chegaram a
Cuddie Springs [nome do sítio estudado], encontraram uma fauna
que já estava bastante depauperada. As extinções aparentemente já
estavam a caminho", afirma
Field, pesquisadora da Universidade de Sydney.
O trabalho está na edição desta
semana da revista científica
"PNAS" (www.pnas.org) e, para
Field, resolve de uma vez por todas a celeuma em torno de Cuddie Springs. À primeira vista, o sítio parece o laboratório ideal para
entender como humanos e supermamíferos conviveram. Ele abriga uma seqüência ininterrupta de
sedimentos, nos quais se misturam ossos de animais e ferramentas de pedra, com idade estimada
entre 36 mil e 27 mil anos.
Se ossos e utensílios têm de fato
a mesma idade, como a proximidade entre eles sugere, isso significa uma convivência de longo prazo entre humanos e megafauna.
Por outro lado, os defensores da
tese do "overkill", como o australiano Tim Flannery, propõem que
a chegada do Homo sapiens ao
continente-ilha há cerca de 45 mil
anos foi seguida de uma verdadeira campanha de extermínio, que
não teria durado muito mais de
um milênio. Os humanos teriam
usado não apenas suas armas da
Idade da Pedra mas também o fogo, que varreu a paisagem australiana e ajudou a torná-la árida.
Acontece que os proponentes
do "overkill" afirmam que a estratigrafia de Cuddie Springs está toda bagunçada. "Basicamente, eles
argumentam que os ossos ou vieram de outro nível, ou que são sobras de depósitos mais antigos,
cujo sedimento foi retirado pela
água e pelo vento. Depois, eles teriam sido cobertos por sedimento
mais novo", conta Field.
Sem perturbação
O que a pesquisadora e seus colegas fizeram foi usar um método
relativo de datação para provar
que não houve remexida nenhuma nos sedimentos. Para isso, eles
usaram os chamados elementos
de terras raras -elementos químicos que são absorvidos rapidamente pelos ossos no processo de
fossilização e que variam de acordo com a química da água que os
carrega. Ossos de níveis diferentes
têm quantidades diferentes desses elementos.
O grupo verificou que esse era
mesmo o caso: não havia mistura
entre os ossos de cada camada, a
julgar pela quantidade dos elementos nos fósseis datados entre
36 mil e 30 mil anos atrás. Tudo
indica, portanto, que os cangurus
de dois metros de altura e as aves
de 2,2 m de Cuddie Springs conviveram por milênios com pessoas.
Na época, a Austrália também
abrigava monstros como o Diprotodon, um herbívoro com cerca
de duas toneladas, e o "leão marsupial" Thylacoleo carnifex, um
caçador de 100 kg cuja mordida é
a mais forte entre os mamíferos
carnívoros de todos os tempos.
Por outro lado, o desaparecimento da megafauna no sítio
coincide com um período de seca
feroz e prolongada na região. É isso que leva os pesquisadores a
propor que a mudança climática
tenha sido a principal vilã da extinção. "Além do mais, não há nenhuma evidência de tecnologia
especializada para a caça de grandes animais", afirma Field.
Outras extinções
Dezenas de milhares de anos depois da hecatombe australiana, a
megafauna da América (incluindo dentes-de-sabre que caçavam
no cerrado brasileiro e mamutes
nos EUA) também desapareceu.
Segundo Field, embora seja perigoso generalizar, os dados australianos também lançam luz sobre
as outras extinções: "Tenho de
ressaltar que esse é um problema
ecológico complexo: nenhuma
explicação simplista será suficiente. Nunca saberemos os detalhes
precisos de cada extinção, mas está claro que os seres humanos foram só um dos fatores".
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