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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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MEDICINA

Método criado e patenteado por grupo da UFRJ flagra início da doença e permite tratamento precoce mais eficaz

Anticorpos radioativos detectam artrite

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pesquisadoras da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) desenvolveram e patentearam um método capaz de detectar de forma rápida e precoce a artrite reumatóide, que afeta entre 3% e 5% da população mundial. Usando anticorpos radioativos, a técnica flagra o problema antes que ele cause incapacitação e deformidade nas articulações do doente.
"Depois de usar o método em mais de cem pacientes, não observamos efeitos colaterais", contou à Folha a biomédica Flávia Paiva Proença Martins, 25, que faz seu doutorado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Ao lado de sua orientadora, a também biomédica Bianca Gutfilen, e da médica nuclear Lea Mirian Barbosa Fonseca, Martins desenvolveu e testou a técnica, cuja patente já está reservada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) desde abril deste ano.
Martins explica que não existiam exames bioquímicos específicos que pudessem flagrar o mal nos seus estágios iniciais. "A doença só era diagnosticada quando já estava causando a destruição das articulações", afirma.
Essa é a marca registrada da artrite reumatóide, uma doença que os cientistas costumam apelidar de auto-imune -ou seja, que surge pela ação descontrolada do sistema de defesa (imune) do organismo contra o próprio corpo.
No caso, os principais vilões são os linfócitos T CD3 -células do sistema imune que, em circunstâncias ainda pouco compreendidas, se aglomeram em volta do tecido cartilaginoso das articulações, causando inflamações que podem destruí-lo. "Ainda não se sabe bem por que isso acontece, embora fatores genéticos pareçam estar envolvidos", afirma a biomédica da UFRJ.

Direto no alvo
Um bom jeito de desmascarar a ação da doença seria, portanto, descobrir se as células renegadas estavam em ação. O trio de pesquisadoras conseguiu isso com a ajuda de um anticorpo conhecido como OKT3. Essa molécula tem a capacidade de reconhecer quimicamente os linfócitos T CD3 e aderir às concentrações deles em volta da articulação.
De nada adiantaria, no entanto, lotar a corrente sanguínea do doente com anticorpos se não fosse possível saber onde eles foram parar. É por isso que o grupo criou um método para "etiquetar" os anticorpos com o 99M, um isótopo radioativo. A mistura é injetada no paciente que se quer examinar, num procedimento conhecido como cintilometria, comum em outros tipos de enfermidade. O elemento radioativo é eliminado naturalmente pela pessoa, depois do exame, sem danos ao organismo.
Os raios gama emitidos pelos anticorpos radioativos são flagrados por uma câmara especial (denominada, não por acaso, de gama-câmera). Num intervalo de não mais que três horas, é possível ter uma boa idéia das áreas afetadas (veja o quadro à esquerda).

Multiuso
Segundo Martins, o sistema também pode ser usado para diferenciar artrite de artrose (outro problema das articulações que, diferentemente da primeira, costuma ser um desgaste por lesões físicas, e não pelos linfócitos).
"Nesse caso, não há captação, ou seja, os anticorpos não têm onde se fixar e não aparecem na imagem", explica a pesquisadora. Outra aplicação possível do sistema é investigar os problemas de rejeição de órgãos transplantados, no qual ocorre o mesmo problema - a ação indesejada das células de defesa.
Segundo Martins, o sistema poderia aumentar significativamente a qualidade de vida das pessoas com artrite -um contingente formado principalmente por mulheres dos 30 aos 50 anos, embora haja também muitos pacientes do sexo masculino. Existe ainda uma versão da artrite reumatóide que pode atacar crianças.
"A doença não tem cura, mas você pode minimizar os sintomas e evitar as deformidades com a detecção precoce", avalia. "Isso é importante porque, em geral, as pessoas são obrigadas a parar de trabalhar dez anos depois que a doença é diagnosticada. E as crianças podem ficar com uma deformidade para a vida toda, caso não haja o tratamento precoce", relata Martins.
A intenção do grupo, agora, é encontrar parceiros para que os anticorpos radioativos possam ser produzidos em escala industrial. "Com isso, seria bastante fácil de aplicar o método de diagnóstico em outros hospitais", avalia a biomédica da UFRJ.


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