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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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FÍSICA

Jatos de raios gama do centro da galáxia sugerem que massa "oculta" venha de partículas leves

Grupo pode ter identificado matéria escura

MARCUS CHOWN
DA "NEW SCIENTIST"

A identidade da matéria escura do Universo pode ter sido finalmente desvendada. No que parece ser o mais convincente candidato até agora, cientistas no Reino Unido dizem que jatos de raios gama vindos do centro da Via Láctea revelam os sinais dessas partículas fantasmagóricas.
Matéria escura é o apelido dado a 7/8 da massa presente no Universo, mas que até hoje não pôde ser identificada.
A pesquisa acaba de se tornar pública (http://www.arxiv.org/ abs/astro-ph/0309686), e a equipe ainda aguarda a reação de especialistas em matéria escura. Ainda que cautelosos, os autores não escondem seu entusiasmo.
"Deixei tudo de lado para trabalhar nisso", afirma Dan Hooper, da Universidade de Oxford (Reino Unido). "Estamos realmente entusiasmados", afirma sua colega Céline Boehm.
A identidade da matéria escura do Universo é o mistério mais notório da astronomia moderna. Os cientistas acreditam que ela exista porque sua gravidade afeta o modo como as galáxias se mantém coesas. Mas suas partículas não emitem radiação eletromagnética, portanto nunca foram detectadas diretamente. Ninguém sabe como são as partículas, ou exatamente como estão distribuídas.
No entanto, dado que a matéria escura "sente" a gravidade como a matéria visível comum, é um bom palpite prever que ela se acumule no centro da galáxia. Foi por isso que Hooper, Boehm, Joseph Silk e Michel Casse voltaram sua atenção para um padrão diferenciado de raios gama proveniente do miolo da Via Láctea.
É um sinal distinto, que tem uma energia de 511 quiloelétron-volts (keV). Acredita-se que ele seja produzido com a aniquilação de elétrons e pósitrons (os equivalentes de elétrons na antimatéria; partículas de matéria e de antimatéria se aniquilam mutuamente quando entram em contato).
De onde vêm esses elétrons e pósitrons? Especula-se sobre muitas fontes, de uma estrela hipernova a uma de nêutrons ou mesmo um buraco negro. "Mas nenhuma dessas explicações parecia satisfatória", afirma Hooper.
Os pesquisadores se perguntaram então se os elétrons e pósitrons não poderiam estar vindo da aniquilação de partículas e antipartículas de matéria escura no centro da galáxia. Mas, para produzir uma linha definida de 511 keV -energia de dissipação de um elétron-, os pósitrons e elétrons precisariam ser desacelerados até um repouso virtual, antes de se aniquilarem uns aos outros.

Pesos leves
Isso excluiria a matéria escura nas grandes massas que a maioria dos especialistas espera. "Partículas de matéria escura pesadas produziriam elétrons de alta energia", diz Hooper. "Por ser difícil imaginar como eles poderiam ser desacelerados até um repouso, formos forçados a postular uma partícula surpreendentemente leve de matéria escura."
Por "leve" os pesquisadores entendem algo entre 1 e 100 megaelétron-volts, de mil a dez vezes mais leve que um próton. Uma partícula tão leve surpreende porque aceleradores de partículas as criam rotineiramente. Assim, elas já deveriam ter sido detectadas.
"Para ter escapado à detecção, ela deve interagir muito fracamente", diz Hooper. "Uma partícula nessa faixa poderia ter passado despercebida", afirma Nigel Smith, diretor do Experimento de Colaboração sobre Matéria Escura, do Reino Unido.
Para testar a idéia, os pesquisadores se voltaram para as observações com o Integral, telescópio de raios gama da Agência Espacial Européia. Lançado em outubro de 2002, o Integral fez as mais precisas medições já obtidas da linha de 511 keV e mapeou as mudanças em seu brilho ao longo do núcleo central da galáxia. Numa revelação crucial, a equipe verificou que o mapa de brilho concorda exatamente com a distribuição que seria de esperar de suas partículas leves de matéria escura.
Se a matéria escura for de fato composta de tais partículas leves, cada centímetro cúbico do espaço nas vizinhanças da Terra conteria algumas dezenas delas. Seria assim possível detectá-las com experimentos de laboratório.
"A proposta seria mais interessante se um experimento de física nuclear ou de partículas detectasse uma partícula com as propriedades que o grupo sugere", diz Ben Allanach, do Cern, o centro europeu de física de partículas.
As equipes que caçam matéria escura em geral focalizam partículas muito mais maciças, maiores do que 10 gigaelétron-volts, tentando detectar a reação de um núcleo atômico atingido por partícula de matéria escura. Silk e seus colegas estão agora investigando se algum experimento já realizado pode revelar evidências da nova partícula, ou se algum deles pode ser facilmente modificado para detectá-la.


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