São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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BIOTECNOLOGIA

Camundongos fabricam ômega-3, óleo que reduz colesterol; meta é obter leite, carne e ovos mais saudáveis

Roedor transgênico produz gordura "boa"

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A paranóia moderna com o colesterol pode estar próxima do fim graças a camundongos e vermes. Não que a idéia seja substituir a picanha por bifes repulsivos: roedores que receberam um gene de verme foram capazes de produzir a gordura "saudável" ômega-3 em seu organismo, abrindo a perspectiva de fazer o mesmo com a carne, o leite e os ovos consumidos todo dia.
Esse é o próximo passo do biólogo chinês Jing Kang e seus colegas da Escola Médica Harvard (Costa Leste dos Estados Unidos).
De acordo com ele, não deve ser um passo difícil: "Acho que iniciar a produção de ômega-3 em ovos ou em leite é bastante possível e prático", afirma o pesquisador, autor principal do estudo que está na revista científica "Nature" (www.nature.com) de hoje.
Há tempos os pesquisadores sonham com um modo de intensificar a produção de ômega-3 (na verdade um grupo de ácidos graxos, ou gorduras) nos animais mais consumidos pela população do Ocidente. As moléculas ingeridas são capazes de reduzir o colesterol no sangue humano e de prevenir o aparecimento de doenças do coração, mas só são encontradas naturalmente em peixes, frutos do mar e óleo de canola.
Carne de vaca e de frango, ovos e leite normalmente só contêm ácidos graxos aparentados quimicamente, de nome ômega-6.
"Existem tentativas de suprir a deficiência em ômega-3 desses alimentos fornecendo aos animais ração à base de peixe, mas isso acaba se tornando muito caro", explica Kang. "Por isso é que decidimos encontrar um jeito de tornar a quantidade de ômega-3 mais equilibrada nos alimentos de origem animal".
O caminho escolhido pelos pesquisadores foi buscar um gene capaz de induzir a produção de ômega-3 em mamíferos ou aves. Seqüências de DNA que poderiam ser boas candidatas para isso estão presentes em plantas e bactérias, explica Kang -e também no verme nematódeo Caenorhabditis elegans, preferido de nove entre dez cientistas que estudam o desenvolvimento dos seres vivos.
Foi dele que eles retiraram o gene fat-1, que contém a receita para a produção de uma enzima (substância que acelera reações químicas). No caso, a fat-1 permite que o organismo transforme ômega-6 em ômega-3, adicionando ligações duplas de carbono à cadeia da molécula de gordura.
Não bastava, entretanto, só inserir o gene nos embriões de camundongos. Os pesquisadores precisaram juntar a ele uma seqüência de DNA que permitisse seu funcionamento correto num organismo de mamífero como o dos camundongos, já que a maquinaria de leitura do código genético varia bastante entre espécies tão distantes de animal. Foi preciso também usar trechos de DNA que otimizassem a produção da enzima nos animais.
Apesar de todos os problemas técnicos, o truque acabou dando certo. Enquanto antes 98% dos ácidos graxos do organismo dos camundongos pertenciam ao grupo ômega-6, os roedores transgênicos passaram a produzir ômega-3 em proporção quase igual à de ômega-6, meio a meio, e isso nos mais diversos tecidos, do leite ao cérebro, passando pelo coração e pelo sangue.
"Não seria desejável conseguirmos uma proporção muito maior de ômega-3, já que o organismo dos animais também necessita de ômega-6, assim como o humano", pondera Kang.
Como ninguém costuma incluir costeletas de camundongo na dieta, a meta dos pesquisadores é realizar a transferência gênica em galinhas e vacas. Para Kang, o consumo de animais transgênicos não apresentaria riscos à saúde.


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