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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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ARQUEOLOGIA

Fim de mamíferos gigantes na América não foi causado por caça, mas por mudança climática, afirma estudo

Homem é inocente de extinção primitiva

The Page Museum/Reuters
O mamute americano é um dos únicos membros da megafauna a ter sido caçado por humanos


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma pesquisa de dois arqueólogos americanos pode inocentar os primeiros povoadores da América do que já foi considerado o mais antigo crime ecológico do planeta. O estudo diz que não há evidências de que a extinção dos grandes mamíferos americanos da Era do Gelo tenha sido causada por seres humanos.
"Até hoje, ninguém tinha feito uma análise abrangente dos sítios onde se supunha haver provas da caça desses animais por pessoas", disse à Folha Donald Grayson, 57, da Universidade de Washington em Seattle. "Fomos os primeiros, e, dos 76 sítios registrados, apenas 14 têm bons indícios de que algo assim tenha ocorrido."
A falta de evidências não se limitou ao número de sítios. Entre os 35 gêneros de grande mamífero cuja extinção teria sido causada pelos primeiros americanos, só dois se mostraram realmente associados à caça por humanos, os mamutes (Mammuthus) e mastodontes (Mammut) -parentes pré-históricos dos elefantes.
Para Grayson e seu colega David Meltzer, da Universidade Metodista do Sul, o significado disso é claro. Foi a mudança climática que encerrou o Pleistoceno (a Era Glacial) há 10 mil anos, e não as lanças dos caçadores americanos, que extinguiu a megafauna, uma coleção de criaturas que incluía preguiças de 3 metros de altura, tatus do tamanho de um Fusca, cavalos e camelos.
Por um bom tempo, ninguém se arriscava a contrariar a hipótese da matança por mãos humanas, criada por Paul Martin, da Universidade do Arizona, nos anos 60. "Eu e Paul somos bons amigos", diz Grayson. "A teoria dele foi boa ciência durante muito tempo, mas novos sítios começaram a contrariá-la e a coisa virou quase uma crença pessoal."

Sítios sob suspeita
Foi para demolir esse dogma que a dupla de arqueólogos analisou os dados de todos os sítios da América do Norte atribuídos à cultura Clovis. Essa cultura, que produzia sofisticadas pontas de lança de pedra, floresceu há cerca de 11 mil anos e, para Martin, estava claramente implicada no sumiço da megafauna.
Não foi o que Grayson e Meltzer encontraram, ao revirar os registros de todos os sítios da cultura Clovis ou contemporâneos dela. Pouquíssimos mostraram sinais claros de caça, como ossos associados a artefatos, com marcas de corte ou queimados.
"Os que acreditam no "overkill" [a extinção por caça" podem achar que fomos exigentes demais nessa análise, mas eu os desafio a voltar aos dados e provar que nós estamos errados", diz Grayson. "A idéia da grande extinção pode ser interessante para os grupos ambientalistas ao mostrar que os humanos sempre abusaram da Terra, mas simplesmente não é verdadeira."
Isso não quer dizer que o "overkill" nunca tenha acontecido em lugar nenhum, afirma o arqueólogo. Na Nova Zelândia, por exemplo, a ação humana conseguiu acabar com os moas, pássaros terrestres que chegavam a ter quase 3 metros de altura.
"Em ilhas, você tem a desvantagem de que as espécies estão num ambiente fechado, com populações pequenas. É muito mais fácil causar mudanças drásticas nessas condições, o que facilita o extermínio", explica Grayson.
No Brasil, onde uma fauna bastante parecida também sumiu do mapa no fim do Pleistoceno, alguns pesquisadores sugeriram que o aumento do calor e da umidade transformaram os campos e savanas onde esses animais viviam em florestas, levando-os à extinção. "Acho que essa combinação entre mudança de clima e vegetação também ocorreu aqui e na Europa", pondera Grayson.
"Agora, precisamos entender o que aconteceu com cada uma das espécies, porque sabemos que cada animal responde de forma única a mudanças como essas. Mas ainda não estamos nem perto de fazer isso", conclui. O estudo saiu na última edição da revista científica "Journal of World Prehistory" (www.kluweronline.com/issn/0892-7537).


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