São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2006

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Paparazzo do DNA leva Nobel de Química

Paul Sakuma/Associated Press
O Nobel de Medicina de 1959 Arthur Kornberg (esq.) acompanha seu filho Roger, Nobel de Química de 2006, a entrevista coletiva


O americano Roger Kornberg, de Stanford, fez a primeira imagem da transcrição da informação genética nas células

Premiado é filho de Arthur Kornberg, que ganhou o Nobel de Medicina de 1959 por descobrir mecanismo da síntese biológica do DNA

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Flagrar o funcionamento do vital maquinário celular rendeu para Roger Kornberg, 59, professor da Escola de Medicina da Universidade Stanford, na Califórnia, o Prêmio Nobel de Química de 2006. O norte-americano ficará sozinho com os 10 milhões de coroas suecas (R$ 2,9 milhões) do laurel.
O mérito de Kornberg foi ter flagrado, por meio de imagens de raios-X feitas a partir de 2000, como a enzima RNA-polimerase funciona. Essa molécula é fundamental no processo de leitura da informação genética do interior das células (veja quadro abaixo, à direita).
"Obter esse resultado foi um desafio muito grande para nós. Apesar de ter sido o único indicado, tenho de dividir esse prêmio com todos os meus colaboradores", disse Kornberg durante entrevista coletiva telefônica ontem nos EUA. O pesquisador admitiu ter ficado "abalado", e continuado com esse estado de espírito por um bom tempo, após o telefone tocar em sua casa durante a madrugada. "Eram 2h30 da manhã. Depois disso, meu dia tem estado agitado até agora."

Mil palavras
A imagem que registra como os genes são transcritos é muito mais simbólica do que pode parecer de imediato, sobretudo em células dos eucariontes (organismos de células com núcleo definido), como os mamíferos. "No caso dos estudos com células-tronco, entender os processos básicos que estão ocorrendo no nível celular é muito importante", afirmou Kornberg. Segundo ele, as aplicações médicas decorrentes desse tipo de pesquisa já não estão mais tão distantes.
O pesquisador brasileiro Claudio Joazeiro, há 16 anos nos EUA, tem feito alguns trabalhos em cooperação com o novo Prêmio Nobel de Química. Para ele, o título está em boas mãos. "É uma pessoa sobretudo muito ética", afirmou o pesquisador. No ano passado, Joazeiro e Kornberg e outros colaboradores publicaram um artigo em conjunto na revista "Molecular Cell".
"Além da imagem da RNA-polimerase em ação, ele deu muitas outras contribuições para a ciência", disse Joazeiro. Ele cita como exemplo que Hornberg conseguiu mostrar como a enzima polimerase faz para transcrever o DNA, mesmo ele estando todo enrolado dentro da célula, o que é um grande obstáculo físico para o processo. "A contribuição que ele deu, nesses últimos 30 anos é relevante para toda a biologia estrutural, não apenas para o processo de transcrição."
A Real Academia de Ciências da Suécia, responsável pelo Nobel, resolveu exatamente premiar a descoberta dessas informações essenciais para o fluxo das informações contidas no DNA. Na justificativa oficial, o título foi dado "pelos estudos das bases moleculares da transcrição celular em eucariontes". Ou seja, Kornberg jogou a luz que faltava sobre a atuação da enzima RNA-polimerase.
Para qualquer proteína ser formada -e, se elas não estiverem funcionando, não existe vida- é fundamental que as informações presentes no DNA sejam copiadas. Cabe exatamente à RNA-polimerase o principal papel dentro dessa espécie de máquina copiadora. Ela é que promove a montagem do RNA-mensageiro, molécula que funciona como uma espécie de "negativo" do DNA, que, no final da transcrição, comandará a síntese de proteínas.

De pai para filho
É por causa dessa contribuição para os fundamentos da química que Kornberg vai pela segunda vez em sua vida assistir a uma premiação de Nobel. A diferença é que na cerimônia do próximo 10 de dezembro os papéis vão estar trocados. Enquanto o filho fica no palco, o pai sentará na platéia.
"Me lembro da cerimônia de 1959, em Estocolmo, mas não foi isso que despertou o meu interesse científico. Acho até que já tinha ele antes mesmo de participar daquela cerimônia" disse ontem Roger Kornberg. Há 47 anos, o laureado, na categoria de Fisiologia ou Medicina, era o pai dele, Arthur Kornberg, que também ficou eufórico com as notícias de ontem.
"Ele é uma pessoa muito disciplinada que sempre se dedicou bastante. Ontem [segunda-feira] até cheguei falar com ele sobre a hipótese do Nobel, mas ele não acreditou muito que seria possível", disse Arthur. Aos 88 anos e ainda na ativa, ele diz ter certeza que a entrega do prêmio, na Suécia, será uma grande festa. "Tenho muitos amigos lá", comentou. O primeiro laureado da família Kornberg recebeu o prêmio em 1959 por ter descoberto a síntese biológica do DNA, processo pelo qual a informação genética passa de uma célula-mãe a uma filha, que abriu a porta para a engenharia genética.


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