São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Micro/Macro

A história do Universo em expansão

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Gostaria de voltar a uma questão que muitos leitores vêm me pedindo para abordar: a expansão do Universo. O que significa dizer que o Universo está em expansão? Como sabemos disso? É bom começar com a evidência de que o Universo está em expansão.
Primeiro, algo sobre a natureza da luz, já que ela nos dá a pista. A luz visível é apenas uma pequena janela do espectro da radiação eletromagnética. Essa radiação é interpretada como sendo formada por ondas, cada "cor", visível ou não, com o seu comprimento de onda.
Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que a luz proveniente de galáxias distantes exibe um "desvio para o vermelho", ou seja, a luz que elas emitem, quando comparadas com galáxias mais próximas, aparece distorcida, com comprimentos maiores.
Hubble sabia de outro fenômeno em que ondas são distorcidas devido ao movimento de suas fontes, o Efeito Doppler. Quando uma ambulância se aproxima, as ondas de som de sua sirene são desviadas para menores comprimentos (maiores freqüências) e seu som é mais estridente. Quando a ambulância se afasta, o som fica mais grave, com maior comprimento de onda. Todo mundo já presenciou esse efeito.


O Universo também não tem um lado de fora. Ele se estende ao infinito em todas as seis direções


A luz exibe a mesma propriedade: quando sua fonte se afasta, seu comprimento de onda aumenta; quando ela se aproxima, ele diminui. Hubble interpretou o desvio para o vermelho das galáxias distantes como conseqüência de seu afastamento em relação à Via Láctea, a nossa galáxia.
Hubble foi além, mostrando que a velocidade de recessão das galáxias obedecia a uma lei simples: a velocidade de afastamento aumenta em proporção direta com a distância. Entram em cena os físicos teóricos. Modelos matemáticos propostos durante os anos 1920 descreviam um Universo cuja expansão obedecia à mesma lei obtida empiricamente por Hubble.
Esses modelos, baseados na teoria da relatividade geral de Einstein, mostravam que a expansão do Universo era, na verdade, uma expansão da geometria. É aqui que começa a confusão. Como assim "expansão da geometria"? Hubble imaginou que as galáxias eram como detritos de uma explosão, afastando-se de um ponto onde, no passado, todas estavam mais próximas. Para ele, o espaço era fixo, o palco inerte onde a expansão ocorria. Porém, segundo a teoria de Einstein, a expansão tinha de ser interpretada de outro modo: as galáxias não se moviam por si só, elas eram carregadas, feito rolhas em um rio, por uma geometria em que a distância entre dois pontos quaisquer aumentava continuamente.
Como visualizar isso? Imagine uma régua. Marque cada centímetro com um ponto negro. Nesse universo unidimensional, expansão significa que a distância entre dois pontos (o "centímetro") cresce a uma taxa constante. Após algum tempo, os pontos estarão todos mais distantes uns dos outros, não porque tinham movimento próprio, mas porque foram carregados pelo crescimento da régua. O mesmo ocorre com o Universo: as galáxias são carregadas pela expansão e a distância entre elas aumenta.
Mas expansão dentro de onde? De lugar nenhum. No caso da régua, ela se estende ao infinito nas suas duas direções. Não existe um "fim" da régua. E não é necessário viver fora da régua para entender a sua expansão; basta medir as distâncias entre pontos vizinhos. O Universo também não tem um lado de fora. Ele se estende ao infinito em todas as seis direções; o que vemos é apenas parte dele, a que podemos medir.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Science Fictions
A scientific mystery, a massive cover-up and the dark legacy of Robert Gallo
672 págs., US$ 27,95 de John Crewdson. Little Brown & Co.
Onde encomendar
Em São Paulo, à livraria Fnac (tel. 0/ xx/11/3097-0022) e, no Rio de Janeiro, à livraria Leonardo da Vinci (tel. 0/xx/ 21/533-2237).



Texto Anterior: O microcavalo e os rumos da evolução
Próximo Texto: Ciência em Dia - Marcelo Leite: Alvíssaras para as células-tronco
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.