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AMBIENTE
Earth Observing, da Nasa, permite medir perda de produtividade e inflamabilidade da mata em anos de El Niño
Satélite radiografa as secas na Amazônia
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Os cientistas que se dedicam à
tarefa ingrata de entender a interação da floresta amazônica com
o clima global acabam de ganhar
um instrumento ultra-sensível: os
olhos do satélite EO-1, da Nasa
(agência espacial americana).
Com ele, poderão de ora em diante medir em larga escala o que já
se via no chão, o ressecamento da
maior floresta tropical do mundo.
A pesquisa é publicada hoje, em
forma eletrônica, pela revista da
academia de ciências dos EUA, a
"PNAS" (www.pnas.org).
O autor principal do trabalho
que conferiu a acuidade do EO-1 é
Gregory Asner, da Carnegie Institution (EUA). Ele trabalhou em
parceria com dois freqüentadores
da ponte aérea científico-ambiental entre Boston e Belém: Daniel
Nepstad, americano radicado no
Brasil, e Gina Cardinot, brasileira.
Nepstad é filiado ao WHRC
(Woods Hole Research Center),
perto de Boston, e a uma organização não-governamental similar
de Belém, o Ipam (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia), no qual trabalha Cardinot.
O Ipam é um dos pioneiros no
estudo dos efeitos da mudança
climática global sobre a Amazônia brasileira. Produziu trabalhos
hoje clássicos sobre o ressecamento da floresta, sobretudo na
sua porção oriental e em anos de
El Niño. Para melhor entender o
efeito da seca, radicalizou: cobriu
um hectare inteiro (10 mil m2) do
chão da mata com plástico, para
desviar a água da chuva e simular
a seca de 1998.
O experimento, batizado Seca-Floresta, gerou uma massa de dados comparando aquele hectare
(ha) perto de Santarém (PA) com
outro vizinho, que recebeu toda a
chuva. Foram medidas variáveis
como quantidade de folhas, crescimento das árvores, presença de
água no solo e fotossíntese, sob
condições de estresse hídrico. Foram esses dados que permitiram
avaliar a performance do EO-1.
"EO" é a abreviação de "Earth
Observing", satélite de observação da Terra. Lançado em novembro de 2000, ele carrega um instrumento chamado espectrômetro de imagens Hyperion. Ele consegue fazer uma análise da luz que
compõe cada ponto (pixel) da
imagem da floresta colhida pelo
satélite, que corresponde a uma
área de 20 m por 20 m.
Essa análise permite, em teoria,
descobrir coisas como quantidade de água nas folhas e diminuição da atividade de fotossíntese
(produtividade primária, como
dizem os ecólogos). Mas não havia certeza de que essas extrapolações fossem fiéis à realidade da
floresta amazônia. Aí entraram os
dados do Seca-Floresta do Ipam.
A comparação revelou que o
olhar do satélite é apurado o bastante para tirar conclusões sobre
grandes áreas de mata, sem ter de
fazer a coleta de dados no solo
-algo impraticável. Só a porção
brasileira tem mais de 4 milhões
de km2 (400 milhões de ha).
"A Amazônia é simplesmente
grande e complexa demais para
ser estudada apenas do solo", disse Asner, segundo comunicado
da Carnegie Institution. Para
Nepstad, 46, o Hyperion é "uma
outra forma de ver o perigo, de
ver a floresta pedindo socorro".
Ele se refere aos estudos segundo os quais entre 1/3 e 1/4 da Amazônia pode estar sujeita a cruzar o
limiar da inflamabilidade. Quando a quantidade de água no solo
até 10 m de profundidade cai abaixo de 30% do normal, a mata se
torna vulnerável a incêndios. Sob
estresse, produz menos madeira
e, com isso, retira menos gás carbônico da atmosfera, o maior vilão do aquecimento global.
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