São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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AMBIENTE

Earth Observing, da Nasa, permite medir perda de produtividade e inflamabilidade da mata em anos de El Niño

Satélite radiografa as secas na Amazônia

MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA

Os cientistas que se dedicam à tarefa ingrata de entender a interação da floresta amazônica com o clima global acabam de ganhar um instrumento ultra-sensível: os olhos do satélite EO-1, da Nasa (agência espacial americana). Com ele, poderão de ora em diante medir em larga escala o que já se via no chão, o ressecamento da maior floresta tropical do mundo.
A pesquisa é publicada hoje, em forma eletrônica, pela revista da academia de ciências dos EUA, a "PNAS" (www.pnas.org).
O autor principal do trabalho que conferiu a acuidade do EO-1 é Gregory Asner, da Carnegie Institution (EUA). Ele trabalhou em parceria com dois freqüentadores da ponte aérea científico-ambiental entre Boston e Belém: Daniel Nepstad, americano radicado no Brasil, e Gina Cardinot, brasileira.
Nepstad é filiado ao WHRC (Woods Hole Research Center), perto de Boston, e a uma organização não-governamental similar de Belém, o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), no qual trabalha Cardinot.
O Ipam é um dos pioneiros no estudo dos efeitos da mudança climática global sobre a Amazônia brasileira. Produziu trabalhos hoje clássicos sobre o ressecamento da floresta, sobretudo na sua porção oriental e em anos de El Niño. Para melhor entender o efeito da seca, radicalizou: cobriu um hectare inteiro (10 mil m2) do chão da mata com plástico, para desviar a água da chuva e simular a seca de 1998.
O experimento, batizado Seca-Floresta, gerou uma massa de dados comparando aquele hectare (ha) perto de Santarém (PA) com outro vizinho, que recebeu toda a chuva. Foram medidas variáveis como quantidade de folhas, crescimento das árvores, presença de água no solo e fotossíntese, sob condições de estresse hídrico. Foram esses dados que permitiram avaliar a performance do EO-1.
"EO" é a abreviação de "Earth Observing", satélite de observação da Terra. Lançado em novembro de 2000, ele carrega um instrumento chamado espectrômetro de imagens Hyperion. Ele consegue fazer uma análise da luz que compõe cada ponto (pixel) da imagem da floresta colhida pelo satélite, que corresponde a uma área de 20 m por 20 m.
Essa análise permite, em teoria, descobrir coisas como quantidade de água nas folhas e diminuição da atividade de fotossíntese (produtividade primária, como dizem os ecólogos). Mas não havia certeza de que essas extrapolações fossem fiéis à realidade da floresta amazônia. Aí entraram os dados do Seca-Floresta do Ipam.
A comparação revelou que o olhar do satélite é apurado o bastante para tirar conclusões sobre grandes áreas de mata, sem ter de fazer a coleta de dados no solo -algo impraticável. Só a porção brasileira tem mais de 4 milhões de km2 (400 milhões de ha).
"A Amazônia é simplesmente grande e complexa demais para ser estudada apenas do solo", disse Asner, segundo comunicado da Carnegie Institution. Para Nepstad, 46, o Hyperion é "uma outra forma de ver o perigo, de ver a floresta pedindo socorro".
Ele se refere aos estudos segundo os quais entre 1/3 e 1/4 da Amazônia pode estar sujeita a cruzar o limiar da inflamabilidade. Quando a quantidade de água no solo até 10 m de profundidade cai abaixo de 30% do normal, a mata se torna vulnerável a incêndios. Sob estresse, produz menos madeira e, com isso, retira menos gás carbônico da atmosfera, o maior vilão do aquecimento global.


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