São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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PALEONTOLOGIA

Osso de 365 milhões de anos sugere que os braços surgiram para facilitar a locomoção de animais aquáticos

Fóssil americano é "elo perdido" de animais terrestres

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Não é bem um braço, mas também já não é mais uma barbatana. "Elo perdido" parece a expressão mais adequada para descrever o fóssil descoberto no Estado norte-americano da Pensilvânia: apenas um osso, mas que pode documentar um momento fundamental na transição dos primeiros vertebrados que deixaram de ser peixes e invadiram a terra.
"Suspeito que ele esteja muito próximo da origem não só dos anfíbios, mas de todos os animais terrestres de hoje, como répteis e mamíferos", afirma o paleontólogo Neil Shubin, 43, da Universidade de Chicago. Ele coordenou a análise do único ossinho -um úmero, análogo ao que todos os seres humanos têm na primeira metade do braço- na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org).
Por estar isolado em meio a uma profusão de restos de outros vertebrados primitivos, todos achados na encosta de um barranco ao lado de uma rodovia na Pensilvânia, o úmero ainda não ganhou nome de espécie, sendo batizado apenas com o código ANSP 21350. Mesmo assim, o ossinho fossilizado oferece um verdadeiro tesouro de pistas sobre o funcionamento dos primeiros membros -como a de que, pelo jeito, eles não serviam para andar em terra, ao menos na maior parte do tempo.
"O encaixe do nosso úmero nos ombros é uma espécie de cilindro. O desse animal era achatado", explica Shubin. "Nós conseguimos descrever um círculo com o movimento do nosso braço, mas ele provavelmente só conseguia ir para a frente e para trás. Estamos falando de uma plataforma estável, sólida e forte."
Esses detalhes de anatomia, aliados às marcas ósseas de uma musculatura poderosa ligando o úmero ao peito do animal, sugerem que ele usava o braço bem ao estilo de alguém que faz flexões peitorais hoje em dia.
Shubin especula que o proto-anfíbio precisasse disso para subir à tona e respirar ar -coisa que muitos peixes primitivos ainda fazem, por incrível que pareça- ou para se estabilizar na água turbulenta do rio onde vivia, um delta quase tão vasto e movimentado quanto o do rio Amazonas.
Ou seja: tudo indica que braços e pernas não surgiram para caminhar em terra firme, mas foram cooptados para resolver esse problema, à medida que sair da água foi se tornando uma estratégia interessante no jogo da evolução. A criatura descoberta por Shubin, que tem em torno de 365 milhões de anos, sugere como tudo pode ter começado.
O protótipo de salamandra provavelmente era um gigante entre seus parentes da área, com seus prováveis 60 centímetros de comprimento, mas não era páreo para os peixes primitivos de mais de três metros e dentes afiados que rondavam seu rio. "A superfície do osso tem marcas de perfuração grave, o que sugere que ele tenha sido devorado", afirma Shubin. De qualquer forma, o tamanho avantajado parece mostrar que ele pertence mesmo a uma espécie até agora desconhecida.
Tudo indica que esse ancestral remoto era bem diferente de qualquer bicho de hoje em estilo de vida ou movimentação. "Os anfíbios de hoje são formas especializadas e relativamente recentes, com uns 200 milhões de anos", avalia Shubin. "No máximo, talvez possamos compará-lo a um tipo primitivo de salamandra."


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