São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

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MEDICINA

Número de pessoas infectadas por transfusão de sangue no Reino Unido precisa ser recalculado, indicam estudos

Mal da vaca louca pode ser mais freqüente

CRISTINA AMORIM
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma bomba-relógio ronda os britânicos. Três estudos publicados hoje da revista médica "The Lancet" (www.thelancet.com) mostram que pode haver mais pessoas no Reino Unido sujeitas à doença de Creutzfeldt-Jacob, variação humana do mal da vaca louca, do que se pensa.
A doença é causada por uma proteína, um príon celular, que muda de forma e se junta em placas no cérebro, esburacando-o. Até hoje, 147 pessoas morreram.
Um artigo assinado pelo britânico James Ironside, da Unidade Nacional de Vigilância Contra a Doença de Creutzfeldt-Jacob, conta a história de um paciente idoso que havia recebido, em 1999, uma transfusão de sangue contaminado -o doador morreu em 2001 vítima da doença.
Cinco anos depois, foi a vez de o receptor do sangue morrer, mas de um aneurisma, sem ligação com o mal. O exame póstumo, que buscou uma reação imunológica ao príon, mostrou que ele estava contaminado, porém de forma mais amena. Tampouco houve reação ao príon no cérebro e na medula -apenas no baço, que fica no início do caminho imunológico percorrido pela proteína infecciosa dentro do corpo.

Risco duplo
A diferença entre esse paciente e os demais, diz Ironside, está nos seus genes: ele era um heterozigoto, ou seja, tinha apenas uma cópia do gene que confere vulnerabilidade à doença. Até hoje, achava-se que só pacientes homozigotos -com duas cópias do gene- desenvolvessem a doença.
Geralmente, o tempo de incubação é de cinco a seis anos. "Se o príon foi encontrado em um heterozigoto, isso significa que a doença pode ficar latente por mais tempo", disse à Folha o pesquisador Jerson Lima Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, esse perfil genético é mais comum entre a população do que o anterior.
"É possível que haja uma nova epidemia, porque os casos que conhecemos podem representar apenas aqueles mais suscetíveis, com um período mais curto de incubação", comentou o cientista britânico. "Precisamos refazer todos os cálculos sobre novos casos com base apenas nesse paciente."
No mesmo pacote de pesquisas publicado pela "Lancet", uma equipe da Universidade de Maryland, nos EUA, analisou a filtragem de células brancas para evitar novas contaminações por transfusões sangüíneas. A técnica foi introduzida em 1999 no Reino Unido e é bastante difundida hoje no país como forma de evitar novas contaminações.
Ao testar o método em roedores, os cientistas descobriram que a infecção é reduzida apenas em 40%. O terceiro estudo propõe uma nova técnica de descontaminação de instrumentos cirúrgicos, uma vez que os usados atualmente ou não livram os equipamentos do príon ou os destroem.
Os estudos devem abrir uma nova discussão sobre como lidar com a doença no Reino Unido, país mais afetado. Ainda não existem métodos efetivos de detecção da proteína em amostras de sangue. "Os existentes são muito lentos ou pouco eficientes", disse Silva. Comprar sangue de outros países e assim evitar novas infecções é financeiramente proibitivo. Cerca de 3 milhões de unidades de sangue são ministradas no Reino Unido por ano.
Ironside lembra que a infecção nunca poderia ser detectada sem o exame póstumo. "Apesar de não haver sintomas, o paciente ainda poderia ser uma fonte de infecção." Se doasse sangue, a doença poderia ser transmitida.
O último pico da doença aconteceu em 2000, quando 28 pessoas morreram.


Com agências internacionais


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