São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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CLIMA

Queima do combustível produz grande quantidade de fuligem, que retém mais calor na atmosfera que o gás carbônico

Estudo culpa diesel por aquecimento global

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um estudo publicado nos EUA mostra que a substituição de gasolina por diesel para reduzir as emissões de gás carbônico na atmosfera não desaceleram o processo de aquecimento global. Ao contrário, o intensificam. Pelo visto, até quando o assunto é o que acontece no céu, o inferno está cheio de boas intenções.
A pesquisa, publicada na edição de outubro do "Journal of Geophysical Research" (www.agu.org), aponta que a fuligem preta emitida pela queima do diesel esquenta muito mais a atmosfera do que o gás carbônico, que é emitido em maior quantidade pela gasolina. Quando se leva em conta só a emissão de CO2, o óleo diesel parece ser uma opção menos agressiva ao equilíbrio térmico da Terra. É o que muitos governos já estão fazendo, com legislações que favorecem a substituição da gasolina por esse combustível.
"Na Europa, há impostos que favorecem o diesel", afirma o engenheiro ambiental Mark Jacobson, da Universidade de Stanford, autor do novo estudo. "Os europeus estão pensando em cumprir parte de suas metas de redução de emissão de dióxido de carbono no Protocolo de Kyoto com estímulos ao diesel. Eu não acho que essa seja uma boa idéia."
Jacobson fez um estudo detalhado da atuação das partículas de fuligem, as mesmas que o diesel emite após sua combustão, o que resultou na identificação de 12 diferentes efeitos atmosféricos. "Trabalho nesse modelo desde 1989, já faz 13 anos", conta.

Pior que o CO2
Ao realizar uma simulação por computador com todos esses efeitos em conta, ele descobriu que a fuligem do diesel supera em muito os benefícios da menor emissão de CO2. Segundo seus cálculos, cortando toda a emissão de fuligem na atmosfera, seria possível reduzir em 20% a 45% o processo de aquecimento global.
O mesmo efeito poderia ser obtido cortando um terço das emissões de CO2, mas ele só seria plenamente sentido em 50 a 200 anos. Já o corte de fuligem seria sentido bem antes -3 a 5 anos.
Esse diferencial de tempo ocorre porque o tempo que as partículas ficam suspensas na atmosfera é muito menor do que o que os gases levam para sair.
"Conheço bem esse estudo, e o Mark Jacobson de Stanford está publicando uma série de artigos sobre essa questão", diz Paulo Artaxo, físico da USP e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). "O efeito dos aerossóis [partículas] no sistema climático global foi subestimado até algum tempo atrás. Mas, nos últimos meses, vários estudos estão apontando que os aerossóis são tão ou mais importantes que o efeito dos gases-estufa para o aquecimento global."
Embora aponte a importância da fuligem (particulados de carbono) como componente do aquecimento global, Jacobson reconhece que o gás carbônico continua sendo a chave para a solução do problema. "Não importa o que façamos, precisaremos cortar gás carbônico também", diz.
Não é à toa que o pesquisador ficou insatisfeito quando George W. Bush requisitou um rascunho de seu estudo e usou suas conclusões para justificar o abandono do Protocolo de Kyoto, apontando que o acordo internacional, entre outras coisas, não tocava na questão da emissão de fuligem.
"O governo estava preparando sua política de combate ao aquecimento global. Eles ficaram sabendo do meu estudo, pediram uma cópia e eu enviei a eles", conta. Quando viu que Bush usou suas conclusões para simplesmente descartar o protocolo, Jacobson escreveu em seu site (www.stanford.edu/group/efmh/jacobson/) que não aprovava a decisão do presidente.
"Por um lado, fiquei feliz por ele ter reconhecido que o aquecimento global era um problema importante e a fuligem, um componente significativo dele", diz. "Por outro, não acho que isso era motivo para abandonar o protocolo, que é um passo importante para atacar a principal origem do problema, que é o CO2."


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