|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O vírus da obesidade
Para cientistas, ela se espalha de maneira contagiosa;
o mesmo vale para felicidade, solidão e até hábitos sexuais
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
É cruel: se você quer
emagrecer, talvez o
melhor a fazer seja dizer aos seus amigos
gordos que fiquem
longe. Porque um único grande
amigo gordo aumenta em 57%
as suas chances de engordar,
segundo os cálculos de cientistas sociais americanos. A obesidade, dizem, espalha-se de maneira tão contagiosa quanto
um vírus.
Não só ela, na verdade. O
mesmo acontece com a felicidade, a agressividade, o hábito
de fumar, a solidão.
Alguns exemplos podem ser
até chocantes. Quando surge
entre uns poucos adolescentes
populares a noção de que o sexo oral é socialmente aceitável,
é provável que o hábito se espalhe rápido entre os outros, dizem Nicholas Christakis e James Fowler, cientistas sociais
de Harvard e da Universidade
da Califórnia, respectivamente.
Justamente pelo fato de as
pessoas serem influenciáveis,
suas decisões não são sempre
racionais. Comportamentos
são adotados só porque todo
mundo os adota também. Os
economistas erraram, diz a dupla, que está lançando um livro
sobre o assunto no Brasil -"O
Poder das Conexões", pela editora Campus-Elsevier.
Você engorda, eu engordo
"Os economistas acham que
as pessoas têm desejos e então
tentam maximizá-los. Mas de
onde surgem os desejos? Por
que você quer uma BMW e não
uma Mercedes? Eles vêm, com
frequência, de outras pessoas.
Somos influenciáveis. Tentar
entender grupos entendendo
apenas os indivíduos é estúpido", diz Christakis.
Os cientistas já suspeitavam
há muito tempo que as conexões sociais fossem poderosas.
É óbvio que humanos são, de alguma maneira, influenciados
por quem está ao redor. Mas
não se sabia que era tanto -e
nunca foi possível calcular algo
assim. Como quantificar?
O ideal seria acompanhar um
grupo grande de pessoas que se
relacionassem ao longo de décadas. Aí, observar como tendências surgiam e se espalhavam dentro dele.
Christakis achou algo assim
em 2002, em um cidade americana cheia de brasileiros -gente de Governador Valadares
(MG), em especial.
Trata-se de Framingham, em
Massachusetts, hoje com pouco mais de 60 mil habitantes.
Desde 1948 pesquisadores
preenchem, ano após ano, um
monte de formulários sobre como anda a vida de boa parte deles. Queriam saber desde peso
até hábitos alimentares. Mais
de 15 mil pessoas de três gerações já participaram.
A ideia, inicialmente, era estudar quais hábitos propiciavam doenças cardíacas. Mas os
pesquisadores tinham medo de
que as pessoas mudassem de
endereço, fazendo com que não
pudessem mais ser encontradas. Por isso, pediam a todos
que fornecessem os nomes dos
seus amigos mais próximos,
que poderiam dizer onde é que
eles tinham se metido.
O que Christakis percebeu,
portanto, é que, mesmo que
não tenha sido projetado para
isso, o estudo era um banco de
dados perfeito para saber como
certas características se espalhavam entre as pessoas ao longo do tempo.
Na análise, descobriram que
um amigo obeso aumenta em
57% as suas chances de também ficar gordo. Mesmo amigos magros com conhecidos
gordos influenciam seu peso.
Como em 1948, quando os
dados começam, existiam bem
menos gordos nos EUA, é possível perceber a epidemia da
obesidade surgindo. Fica nítido, dizem os cientistas, que as
pessoas engordam em grupos.
Um piscar de olhos e todo um
círculo social fica pesado.
Isso acontece porque são as
pessoas mais próximas a você
que criam a sua noção de normal e de bizarro.
Ou seja, amigos de gordos
não ficam gordos porque comem junto com eles. Ganham
peso porque, influenciados, aos
poucos passam a parar de ver
problemas em se alimentar mal
nas suas próprias casas.
O contrário também é válido:
vire uma modelo, mude de amizades e entre em um mundo repleto de magreza. Qualquer dobra mínima na barriga vai parecer uma questão de vida ou
morte -você fará um enorme
esforço para acabar com ela.
Tristeza não tem fim?
Aos poucos, Christakis e Fowler foram percebendo que as
suas conclusões não valiam
apenas para a obesidade. A felicidade, por exemplo, também
foi estudado pela dupla. Cada
amigo feliz aumentava em 15%
a chance de que alguém também se declarasse feliz.
A infelicidade, claro, também
é contagiosa. Tenha, então,
uma meia dúzia de amigos tristes e será improvável que você
consiga sorrir muito.
O ambiente ao redor, então, é
fundamental para moldar o que
alguém é. Ao ser questionado se
isso faz com que os genes não
sejam tão importantes, Christakis diz que não.
"Pode haver uma base genética mesmo para a quantidade
de amigos que você tem ou para
o quanto você está no centro da
sua rede social. Algumas pessoas nascem tímidas e outras
muito sociáveis, por exemplo."
Texto Anterior: +Marcelo Gleiser: Comendo a Terra Próximo Texto: +Marcelo Leite: A sustentável intensidade do CO2 Índice
|