São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+Marcelo Leite

A sustentável intensidade do CO2


No Brasil, a ficha de Copenhague, ao que parece, já começou a cair


Na véspera da conferência sobre mudança do clima em Copenhague, nada mais apropriado do que falar de sua estrela, o carbono. É o apelido genérico dos gases do efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4).
Esses compostos contribuem para aquecer o planeta retendo radiação solar junto da superfície. Se esquentar muito, o clima pode endoidar. Para prevenir essa mudança, que poria em polvorosa a agricultura e as populações litorâneas, é preciso reduzir a emissão de GEE.
Como ninguém quer voltar para a Idade da Pedra, muito menos em países pobres como Brasil, Índia e China, o crescimento econômico não pode parar. Produzir mais e emitir menos implica "descarbonizar" a economia, reduzir sua "intensidade carbônica".
Isso só pode ser conseguido diminuindo a participação de combustíveis fósseis na matriz energética de cada país. Gasolina, diesel, gás natural e carvão, quando queimados, lançam na atmosfera carbono que ficou estocado por milhões de anos sob a terra. A alternativa são fontes renováveis de energia: hidrelétricas (os rios continuam a correr e encher reservatórios), biocombustíveis (a cada safra as plantas reabsorvem CO2 emitido na combustão), energia eólica (afinal, os ventos sopram sempre, com maior ou menor força) e solar.
O Brasil apresenta um perfil peculiar, no mundo, nesse quesito. Se computada toda a energia consumida no país, da eletricidade aos combustíveis dos transportes, 46% têm origem renovável, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética, estatal). A média mundial é 13%, e a dos países desenvolvidos, ainda mais modesta, 7%.
Se considerada só a geração de eletricidade, o desempenho brasileiro melhora consideravelmente: 87% de fonte renovável. No mundo, só 18%. O problema é que essa matriz está "se sujando", com aumento da participação de combustíveis fósseis. Está lá no "Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017" da EPE: termelétricas a óleo combustível passarão a responder por 5,7% da eletricidade gerada, contra 1,3% atuais. As hidrelétricas cairiam para 71%.
Em outras palavras, a tendência brasileira, no momento, é "carbonizar" sua matriz exemplar. A não ser que aumente significativamente a eficiência energética (quantidade de energia gasta para produzir uma unidade de PIB), emitirá mais carbono para cada uma dessas unidades. Caminhamos, portanto, na contramão de países como Índia e China, que conseguem crescer -e muito- diminuindo a intensidade carbônica.
Tanto é que se disseram dispostos a cortá-la em até 25% e 45%, respectivamente, em dez anos. De todo modo, a posição do Brasil ainda é invejável no grupo Bric. A intensidade carbônica da economia indiana é 20% maior que a brasileira. A russa, 80%. A chinesa, 100% (só de geração por termelétricas a carvão, pior fonte de carbono, a China agregará até 2030 o equivalente a quatro vezes o que o Brasil produz hoje).
"É um desafio evitar que esse indicador cresça sem que o setor se torne um gargalo e sem impedir que a população consuma mais energia no Brasil", afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE. Tolmasquim informa que o próximo plano decenal vai incorporar o conceito de intensidade energética com vistas a diminuir emissões. Os dados em preparação, segundo ele, já foram utilizados no cálculo da contribuição do setor energético para as metas de redução anunciadas no dia 13. A ficha de Copenhague, parece, começou mesmo a cair.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


Texto Anterior: O vírus da obesidade
Próximo Texto: Barack Obama vai à cúpula do clima na semana decisiva
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.