São Paulo, domingo, 6 de dezembro de 1998

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PERISCÓPIO

Críticas aos testes de compostos cancerígenos em ratos

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Na revista "Science", P.H. Abelson escreveu oportuno editorial criticando os testes feitos em ratos e camundongos para determinar a possível ação cancerígena (produtora de câncer) de substâncias. Segundo ele, os resultados desses testes costumam gerar medidas muito rígidas e assustadora publicidade que acabam criando no público ansiedade e quimiofobia.
O método principal para estabelecer a carcinogenicidade potencial baseia-se na ministração diária de enormes doses de substâncias químicas a roedores endogâmicos (consanguíneos) durante toda a vida. A seguir, por meio de duvidosos modelos que abrangem grandes fatores de segurança, os resultados são extrapolados para efeitos de mínimas doses em seres humanos. Se esses processos continuarem em vigor para fixar níveis reguladores, diz ele, o custo de dissipar riscos fantasmas ficará em centenas de bilhões de dólares com mínimo benefício para a saúde pública, ao mesmo tempo em que os verdadeiros riscos deixam de merecer a atenção adequada.
É crescente o número de críticos dos processos atualmente em uso, liderados por Bruce Adams e colaboradores, que têm publicado importantes trabalhos de informação documentados por extensas bibliografias. Na verdade, é restrito o número de agentes químicos, naturais e sintéticos, que reagem com o DNA a ponto de provocar mutação. A maioria das substâncias químicas não é mutagênica, mas, quando se administra a máxima dose tolerada (MTD) diariamente a roedores durante a vida, cerca de metade delas produz câncer em excesso, geralmente no fim da vida dos animais. Experimentos nos quais produtos sintéticos industriais foram ministrados na MTD apontaram como carcinogênicos 212 de 350 produtos testados. Experimentos semelhantes com substâncias naturalmente presentes nos alimentos indicaram 27 carcinogênicos num total de 52, sendo os produtos assim classificados encontrados em vegetais diferentes, como maçãs, cenouras, aipo, café, alface, repolho, suco de laranja, ervilha, batata, tomate. É curioso notar que eles ocorrem em quantidades milhares de vezes superiores às dos produtos sintéticos.
Como defesa contra predadores e parasitas, as plantas desenvolvem numerosas substâncias que exercem efeitos patogênicos em seus atacantes e consumidores. Ames e Gold calculam que os alimentos vegetais contêm de 5.000 a 10 mil pesticidas naturais. Uma planta típica encerra um total de 1% ou mais dessas substâncias. Ingerimos 10 mil vezes mais pesticidas de origem vegetal do que sintéticos.
Cabe todavia lembrar, assinala Abelson, que virtualmente quase todas as substâncias químicas são tóxicas se ingeridas em dose excessiva: nessas condições, até o sal comum pode causar câncer gástrico. Ames e Gold salientam que teores elevados de substâncias químicas causam morte celular em larga escala e substituição por divisão, estado em que as células são mais sujeitas a mutações do que quando quiescentes.
Todo agente que cause divisão crônica pode ser indiretamente mutagênico, porque aumenta a probabilidade de converter em mutações os danos endógenos ao DNA. Mas, quando ministradas em doses menores que a MTD, essas substâncias não tendem a provocar alta proporção de divisão celular e, por isso, não aumentariam o número de mutações. Assim, uma substância que produz morte celular e câncer no limite MTD poderia ser inócua em doses menores.
Finaliza Abelson afirmando que frutas e verduras tendem a reduzir a incidência do câncer humano. É por isso enganoso o teste da MTD que aponta como carcinogênicas para o homem as substâncias químicas das plantas. O mesmo raciocínio aplica-se aos produtos sintéticos. "Os testes padrões de carcinogenicidade que usam roedores são relíquias obsoletas da ignorância de décadas passadas." Os enormes aperfeiçoamentos dos procedimentos analíticos e outros possibilitam uma nova toxicologia com avaliação muito mais realista dos teores que ocasionam efeitos deletérios. É a conclusão categórica do editorialista.



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