São Paulo, domingo, 6 de dezembro de 1998

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FUTURO
Nova tecnologia, desenvolvida por empresas nos EUA, permite que cortes cirúrgicos sejam fechados por raios em vez do sistema tradicional da linha e da agulha
Costura a laser

VANESSA DE SÁ
especial para a Folha

Os cirurgiões estão perto de ganhar um novo aliado, que promete substituir, em pouco tempo, a linha e a agulha: uma solda a laser, capaz de selar um ferimento ou corte cirúrgico tão facilmente quanto uma solda de metal.
Segundo Dix Poppas, diretor do departamento de urologia pediátrica do Hospital de Nova York, pelo menos oito empresas nos EUA estão diretamente envolvidas no desenvolvimento desse tipo de instrumento.
"Além disso, dezenas de pesquisadores já estão testando a solda em animais. Os testes em humanos devem começar em pouco tempo", disse ele à Folha.
Mas há quem veja com ceticismo o novo instrumento. Os defensores da "agulha e linha" argumentam que a velha técnica é mais barata e amplamente usada pela comunidade médica.
Poppas rebate: leva-se muito menos tempo do que os tradicionais "pontos" e a cicatrização é imediata, por isso o risco de infecção é menor. "O laser é muito mais fácil de manejar, mais confiável e rápido do que suturar."

Como ovo cozido
A nova tecnologia baseia-se na desnaturação -destruição irreversível de uma proteína por fatores externos, como calor, mudanças extremas de pH ou agentes químicos.
O exemplo mais conhecido da desnaturação é o ovo cozido. Clara e gema "endurecem" porque suas proteínas desnaturam.
Quando o laser aquece as bordas do corte, as proteínas do tecido que o circunda se desnaturam, "derretem". À medida que o local esfria, as proteínas vão "endurecendo", deixando uma cicatriz que lembra a que é produzida por uma solda convencional.
O grande problema com relação ao novo instrumento é saber em que momento deve-se desligar o laser a fim de que o tecido que está sendo manipulado não queime. Ao mesmo tempo, se o laser for desligado antes da hora, a cicatriz formada pode ser frágil.
Para evitar esse problema, pesquisadores da Abiomed, em Massachusetts (EUA), desenvolveram uma espécie de solda inteligente.
O modelo da empresa usa um detector infravermelho, parecido com os usados em termômetros de ouvido, para medir a temperatura do ponto aquecido pelo laser.
O sinal do termômetro alimenta um microprocessador que, por sua vez, ajusta a saída da luz, mantendo a temperatura local estável.
Liderados por Millard Judy, cientistas do Instituto de Pesquisas Baylor, em Dallas (EUA), estão testando outro tipos de solda, baseados numa reação fotoquímica.
Segundo eles, esse tipo de instrumento leva vantagem sobre o anterior porque não há risco de o tecido superaquecer. É o que se poderia chamar de "solda fria".
Ela leva um corante amarelo que, ativado pela luz, se une às proteínas do tecido. Para fechar o corte cirúrgico, basta "pintá-lo" com o corante e "cobri-lo" com o laser.

Aplicações
De acordo com a Abiomed, a nova tecnologia será particularmente útil na cirurgia cardíaca -nas ponte de safena, por exemplo- e no trato urogenital masculino que, por ser formado por dutos e tecido delicados, tem mais chance de inflamar quando suturado.
"Eu acredito que, em pouco tempo, a solda deverá substituir a sutura nos procedimentos pouco invasivos, como microcirurgia, laparoscopia e alguns tipos de cirurgia cardíaca. A sutura poderá, daqui a um tempo, ser coisa do passado", conclui Poppas.



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