São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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ARQUEOLOGIA

Obra de 1.700 anos que tem Iscariotes como personagem foi achada no Egito e ganha sua primeira tradução

Jesus pediu traição, diz Evangelho de Judas

Reprodução
Imagem mostra parte de "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci, que alude à traição de Judas


REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Para um grupo de cristãos não-ortodoxos que decidiu escrever seu próprio evangelho por volta do ano 150, só um apóstolo entendia o verdadeiro sentido da missão de Jesus. Esse discípulo predileto seria Judas Iscariotes, o mesmo homem que a tradição bíblica condena como traidor. Um papel que, para esse grupo, foi designado pelo próprio Cristo.
Estudiosos do cristianismo primitivo conhecem esboços dessa história há tempos, mas ela acaba de se tornar disponível em versão (quase) completa com a tradução do "Evangelho de Judas", um texto de 1.700 anos achado no Egito e publicado ontem nos Estados Unidos. A conclusão da tradução, realizada por uma equipe internacional de pesquisadores com o apoio da National Geographic Society, foi anunciada ontem com alarde, em Washington.
O texto está em copta, a língua falada pelos egípcios no começo da Era Cristã. "No entanto, temos quase certeza de que ele é a tradução de um original grego da metade do século 2º d.C.", disse à Folha Stephen Emmel, americano que leciona no Instituto de Egiptologia e Coptologia da Universidade de Münster, na Alemanha. Emmel participou da avaliação da autenticidade do manuscrito e acompanhou a tradução.
A estimativa de idade e língua original não é mero chute. O conteúdo do texto está intimamente associado com o gnosticismo, um conjunto de seitas (nem sempre cristãs, mas geralmente associadas ao cristianismo) que proliferou no Mediterrâneo oriental poucos séculos após a morte de Jesus. Ao contrário da maioria dos judeus e dos cristãos modernos, os gnósticos acreditavam que o mundo material e o corpo humano tinham sido criados por divindades inferiores ou até malévolas e achavam que só a busca da sabedoria esotérica ajudaria a libertar alguns poucos eleitos da escravidão ao corpo.
Além disso, antes da descoberta do texto, os arqueólogos já sabiam de sua existência por causa da paulada que recebeu do bispo Irineu de Lyon (130-202 d.C.). Ele escreveu a obra "Contra as Heresias" por volta do ano 180, na qual cita e critica o relato gnóstico: "Eles produzem uma dessas histórias fictícias, à qual chamam de Evangelho de Judas". É improvável que Irineu soubesse ler copta (sua língua materna era o grego).

Não-histórico
Emmel vacilou um pouco quando foi inquirido sobre a relevância do documento para entender os fatos históricos por trás das conversas entre Jesus e Judas. "Não existe nenhum texto que nos traga um relato direto daqueles eventos, embora os evangelhos do Novo Testamento, bem como outros que não constam dele, como o de Tomé, certamente contenham tradições que remontam à vida de Jesus", diz ele.
"Ainda é cedo para dizer se esse é o caso do Evangelho de Judas. É relativamente improvável que ele traga novas informações sobre o Jesus histórico. O texto é mais relevante para a história do cristianismo e do gnosticismo", avalia.
O evangelho reúne uma série de conversas que Cristo teria tido com seu traidor três dias antes da Páscoa judaica, quando foi crucificado. Jesus fala numa linguagem ainda mais enigmática que a das parábolas do Novo Testamento, saída dos textos gnósticos.
Enquanto os outros apóstolos são retratados como obtusos e incapazes de compreender o sacrifício de Cristo, Judas recebe instruções secretas e a ordem para trair Jesus. "Mas a todos excederás. Porque tu sacrificarás o homem que me veste", diz Cristo no texto. O significado da frase, segundo os estudiosos, é que a traição permitirá que Jesus se liberte de seu lado mortal e realize sua missão.
A tradução foi coordenada pelo suíço Rodolphe Kasser, e recebeu apoio da Fundação Maecenas para Arte Antiga e do Instituto Waitt para a Descoberta Histórica.

Imagens do evangelho estão na internet (www.nationalgeographic.com)


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