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Eliminar pobreza é melhor estratégia, diz vice do IPCC
Para economista, país rico pode reduzir emissões sem perder qualidade de vida
Tecnologia de redução de
emissões pode ser criada
rápido se governos derem
o sinal certo às indústrias,
afirma Mohan Munasinghe
Ana Carolina Fernandes - 31.ago.2006/Folha Imagem
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Mohan Munasinghe explica o quão dura é a realidade do clima |
DO ENVIADO A BRUXELAS
A melhor estratégia de adaptação às mudanças globais no
clima é a redução da pobreza,
especialmente nos países africanos. Sem isso, afirma o economista cingalês Mohan Munasinghe, vice-chefe do IPCC,
"as pessoas não vão viver o suficiente para sentirem os efeitos
das mudanças climáticas".
Em entrevista à Folha, concedida na véspera do lançamento do sumário executivo
do Grupo de Trabalho 2 do painel do clima, Munasinghe diz
que o relatório não é catastrofista e que os países ricos devem tomar a dianteira na redução dos gases-estufa.
Leia a entrevista.
(MAC)
FOLHA - Qual é a principal mensagem deste relatório para os países
pobres?
MOHAN MUNASINGHE - Ela é muito séria: o cinturão tropical, onde estão os países em desenvolvimento, será muito afetado, os
países mais pobres sofrerão os
piores efeitos e os grupos mais
pobres são os mais vulneráveis.
Na América Latina há três problemas específicos: a escassez
de água é o primeiro. Se a temperatura subir entre 1C e 2C,
que é o que se prevê para o fim
do século, devemos ter 50 milhões de pessoas afetadas pela
falta d'água. E isso também tem
conseqüências na produção de
comida. Outro é a redução da
biodiversidade, principalmente na floresta amazônica. Com
um aumento de até 2C, as árvores serão as principais afetadas. A partir daí, muitos animais serão afetados, porque
não conseguem migrar no mesmo ritmo das mudanças climáticas. O terceiro é a perda de geleiras, especialmente na região
dos Andes. Esses efeitos têm
uma chance alta de acontecer,
e, como já há uma quantidade
de gases do efeito estufa na atmosfera, mesmo com a parada
total das atividades humanas
alguns vão acontecer.
FOLHA - O que se deve fazer?
MUNASINGHE - Para os países
em desenvolvimento, que já
têm problemas sérios de pobreza, a principal prioridade é
aumentar a renda da população
e a qualidade de vida. Afinal, se
não resolvermos os problemas
de desenvolvimento hoje -má
nutrição, falta de saúde, de habitação- as pessoas não vão viver o suficiente para sentirem
os efeitos das mudanças climáticas. E o modo de fazer isso é
combinando melhorias de renda e erradicação da pobreza
com redução de emissões.
Combater as mudanças climáticas e criar estratégias de
adaptação a elas não significa
que precisamos abrir mão do
desenvolvimento.
FOLHA - Como devem ser divididas
as responsabilidades sobre a redução de emissões? É cada vez mais
consensual que os países pobres deverão também adotar metas.
MUNASINGHE - Os países desenvolvidos têm de mostrar liderança na mitigação das mudanças climáticas. Os países em desenvolvimento têm consciência e querem contribuir, mas
suas emissões per capita são
muito pequenas se comparadas
com as dos países ricos, e eles
precisam aumentar seu uso de
energia para crescer, então eles
ainda têm um espaço para aumentar suas emissões. Os países desenvolvidos é que precisam reduzir suas emissões, e
podem fazer isso sem diminuir
a qualidade de vida, há tecnologia para isso. Os países europeus são muito mais sérios nisso do que os EUA, que não aceitam o protocolo de Kyoto.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre
o programa brasileiro do álcool?
MUNASINGHE - O etanol não deve ser visto apenas sob a ótica
das mudanças climáticas, já
que as emissões de carbono são
apenas uma pequena parte da
equação. O mais importante do
etanol é seu papel na segurança
energética, já que a demanda
por petróleo segue aumentando e as reservas começaram a
declinar. Ele só não serve para
países com pouca terra, destinada só à produção de comida.
FOLHA - O resultado do relatório
do Grupo de Trabalho 2 é motivo
para pânico?
MUNASINGHE - Não será uma
apresentação catastrofista. As
pessoas verão que as mudanças
não vão acontecer da noite para o dia. Até 2030 veremos alguns efeitos modestos, centrados principalmente nos ciclos
hidrológicos e no derretimento
das geleiras. Até 2050 os efeitos serão maiores e crescem daí
por diante, mas nossos poderes
de previsão não são tão apurados a partir dessa data. A informação mais dramática é que
eventos extremos, como furacões, vão ficar mais comuns.
FOLHA - Ainda há espaço para ceticismo em relação ao aquecimento?
MUNASINGHE - Eu já achava há
seis anos, no terceiro relatório,
que havia pouco espaço para
negação. Com os dois últimos
relatórios, eliminamos a possibilidade de negar a influência
da ação humana e a relação entre mudanças climáticas e mudanças naturais. O único argumento a que os negadores ainda podem se agarrar é o de que
talvez precisemos de mais tempo para a mitigação. Alguns dizem que é muito caro começar
esse trabalho agora, que daqui
a 20 anos teremos novas tecnologias e poderemos resolver isso muito mais rapidamente. Se
sinalizarmos hoje às empresas
que estamos falando sério sobre as ações para mitigar as
mudanças climáticas, elas desenvolveriam a tecnologia em
poucos anos. Se ficarmos divididos, considerando começar a
mitigação daqui a 20 anos, as
empresas não farão nada.
FOLHA - Quanto o público ainda
agüenta ouvir sobre mudança climática? A repetição excessiva da
mensagem não pode acabar dessensibilizando a população?
MUNASINGHE - Como a mudança climática é um fenômeno
que se manifesta a longo prazo
e os interesses das pessoas são
mais imediatos, esse cansaço
pode acontecer. Mas o aumento dos eventos climáticos extremos pode mudar isso -um
furacão Katrina desperta muita atenção sobre o clima. Não
quero dizer que todos os eventos extremos são causados pelas mudanças climáticas, mas
esses eventos lembrarão as
pessoas, de tempos em tempos,
que o problema está lá.
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