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BIOLOGIA
Experimentos com roedores desvenda mecanismos de armazenamento e de reforço das memórias de longo prazo
Equipe localiza o "disco rígido" do cérebro
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O computador mais complexo
jamais visto -o cérebro, para os
íntimos- acaba de ficar um pouco menos enigmático. Dois grupos independentes de cientistas
conseguiram identificar a localização de seu "disco rígido" e que
"softwares" ele usa para processar
dados em sua memória.
Os experimentos que permitiram os avanços foram feitos em
roedores. Embora o fenômeno da
consciência faça com que o cérebro humano pareça ser muito
mais sofisticado, sabe-se que, ao
menos em matéria de processamento, os cérebros desses pequenos animais compartilham os
mesmos princípios de operação.
No caso do disco rígido, trata-se
da área do cérebro responsável
pelo armazenamento das memórias de longo prazo, aquelas que
permanecem disponíveis mesmo
após algumas horas desde o fato.
Um grupo liderado por Alcino
Silva, pesquisador português da
Universidade da Califórnia em
Los Angeles, nos EUA, concebeu
camundongos geneticamente
modificados que não eram bons
em lembrar os velhos tempos
-mesmo quando essa lembrança consistia na incômoda sensação de levar choques elétricos.
Comparando o comportamento do cérebro de roedores normais com o de alterados, descobriram que o córtex cingulado anterior (região da camada superior
do cérebro) só era ativado nos primeiros, mas não nos segundos.
"Os cientistas sabem há tempos
que o hipocampo processa memórias recentes, mas não sabíamos onde o cérebro guardava
nossas memórias mais antigas",
afirma Silva. "Ficamos fascinados
ao ver o cingulado anterior acender quando testamos camundongos normais para memória distante, mas não quando os testamos para memória recente. Em
contraste, o cingulado anterior
dos camundongos mutantes nunca acendeu."
Silva espera que a mesma coisa
valha para humanos. "Fico sempre impressionado sobre quão extensa e completa é a conservação
evolutiva", afirma. "A evolução é
frugal: por que inventar a mesma
coisa duas vezes?"
O pesquisador português e seus
colegas notaram que o processo
estava ligado à ativação de um determinado gene no cingulado anterior, chamado zif268. E foi aí
que entrou o outro estudo, feito
por Jonathan Lee, na Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Também usando roedores modificados, Lee mostrou que o
zif268 pode estar ligado a um processo até agora considerado hipotético da memória de longo prazo, chamado de reconsolidação.
A idéia é que, toda vez que alguém se lembra de alguma coisa
do passado distante (o termo favorito dos especialistas é "evocação"), o ato faz com que essa memória seja de algum modo reforçada, ou reconsolidada.
Ao analisar o cérebro dos animais, constataram que o zif268
parece ser o "software" que é "rodado" durante o processo de reforçar a antiga memória. Em contrapartida, quando uma nova memória está sendo introduzida no
sistema (consolidação), o programa rodado é o BDNF, e o zip268
não é necessário.
"É a primeira boa evidência,
não-controversa, de que a reconsolidação existe", afirma Iván Izquierdo, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul que foi convidado pela "Science" (www.sciencemag.org) para
comentar os dois estudos, na
mesma edição da revista em que
eles foram publicados.
Trata-se do primeiro movimento para tentar entender melhor
esse elusivo processamento das
memórias no cérebro. O que é
motivo para animação, mas também para cautela, segundo Izquierdo. "É o primeiro passo. Se é
importante mesmo, ou não, teremos de ver no passo seguinte."
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