São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2004

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PALEONTOLOGIA

Grupo afirma que não há vínculo entre cratera Chicxulub, no México, e desaparecimento dos dinossauros

Estudo questiona local da grande extinção

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A cratera mexicana de Chicxulub, com 150 km de diâmetro, parecia a prova final de que um asteróide teria acabado com os dinossauros há 65 milhões de anos, mas um grupo de cientistas cavou até o nível do impacto e diz não ter encontrado sinal algum de que ela esteja ligada à grande extinção.
Para a equipe de Gerta Keller, da Universidade de Princeton (EUA), a interpretação é clara: não foi o impacto de Chicxulub que deu cabo dos répteis gigantes. Ela aposta numa conjunção de fatores terrestres e espaciais para explicar a tragédia, uma das cinco grandes extinções na Terra.
"A cratera é grande, mas não causou extinções significativas. Muitas crateras de cerca de 100 km não causaram extinções, e não há razão para acreditar que Chicxulub, ligeiramente maior, tenha tido esse papel", disse à Folha Keller, 58, geóloga e paleontóloga. Seu estudo está na última revista "PNAS" (www.pnas.org).

A verdade está lá embaixo
Com instrumentos usados para perfurar o subsolo em busca de petróleo, a equipe escavou o poço Yaxcopoil-1, a cerca de 60 km do centro da cratera. Retiraram um cilindro contínuo de rocha de 400 a 1.511 metros abaixo do solo.
No mundo todo, a barreira entre o Cretáceo (o último período da era dos dinossauros, que se encerrou há 65 milhões de anos) e o Terciário, apelidada pelos cientistas de barreira K/T, é marcada por uma fina camada avermelhada de irídio, um metal muito pouco comum na Terra que, supõem os cientistas, teria sido depositado pelo impacto de um asteróide.
Keller e seus colegas verificaram que o local do impacto do bólido de Chicxulub não tinha a camada. A barreira K/T teve de ser identificada por uma camada estéril, recoberta por microrganismos típicos do Terciário, 50 cm mais para o alto. "É possível identificar essa cratera por uma camada de pequenas esferas de vidro de 3 mm a 4 mm. Portanto, os dois impactos têm assinaturas diferentes", afirma a geóloga.
Além disso, acima do impacto há uma camada respeitável de microfósseis -organismos de uma só célula cujas espécies puderam ser identificadas. "Esses foraminíferos [grupo a que pertencem os microrganismos] indicam uma idade anterior à barreira K/T", afirma o geólogo suíço Thierry Adatte, 45, da Universidade de Neuchâtel, co-autor do estudo.
Como nenhum deles sobreviveu à grande extinção, isso provavelmente significa que a vida continuou como se nada tivesse acontecido em Chicxulub -por cerca de 300 mil anos, com margem de erro de 30 mil anos para mais ou para menos, diz Keller.
"Os dados que eles colocam são interessantes, mas é difícil saber até que ponto são 300 mil anos mesmo", questiona o paleontólogo Reinaldo José Bertini, especialista em dinossauros da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro. Para ele, as descobertas anteriores em Chicxulub, por enquanto, ainda parecem "relativamente sólidas".

Vários culpados
Se para Adatte e Keller a cratera mexicana deixou de ser a prova do crime, isso não quer dizer que a busca por um impacto ligado à barreira K/T tenha terminado.
"Ao contrário, temos de procurar por ele. Talvez haja um sítio potencial na Índia", diz Adatte. "Sabemos que um impacto substancial ocorreu na barreira K/T, só não sabemos onde está a cratera desse impacto", avalia Keller.
No entanto, parece claro para eles que uma conjunção de fatores é responsável pela morte em massa de espécies e grupos animais e vegetais.
"As evidências que temos indicam que a extinção em massa se deveu à coincidência de grandes erupções vulcânicas e a mudança climática ligada a elas. Dois grandes impactos coincidiram com isso e provavelmente causaram mudanças ambientais ainda mais severas", diz Keller.
Teria sido um processo com duração de várias centenas de milhares de anos. O asteróide carregador de irídio da barreira K/T só teria dado o golpe de misericórdia.
Para Bertini, a ocorrência de múltiplos impactos é uma hipótese cada vez mais considerada pelos pesquisadores, mas ele lança dúvidas sobre a possível influência do vulcanismo. "Esse trabalho deixa, na verdade, muitas pontas soltas. Agora, é preciso investigá-las", avalia.



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