São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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BIOMEDICINA

Segundo cientista da USP, país não domina clonagem terapêutica e veto do Senado não atrapalha pesquisa

Embrião congelado basta, diz geneticista

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora não autorize o uso de técnicas de clonagem de embriões para a obtenção de células-tronco, o projeto da Lei de Biossegurança aprovado anteontem no Senado não deve atrapalhar os cientistas brasileiros num primeiro momento. É o que diz Mayana Zatz, geneticista da USP que participou do processo de redação do texto final junto aos legisladores.
"Essa técnica, que envolve a transferência de núcleo, é muito complexa. Hoje, não há nenhum grupo no Brasil que possa dizer, no caso de ter autorização para ir em frente, "eu estou pronto'", afirma. "No caso das linhagens obtidas a partir de embriões congelados, nós podemos começar já."
Por isso, Zatz se diz satisfeita com o texto, que agora depende da aprovação da Câmara e da sanção presidencial para virar lei. Na redação final, fica autorizado o uso em pesquisa de embriões congelados em clínicas de fertilidade que estejam lá há pelo menos três anos, se os pais concordarem. Há cerca de 30 mil embriões nessa situação no país, que seriam descartados de outra forma.
A idéia dos pesquisadores é extrair deles células-tronco, que têm potencial para virar qualquer tipo de célula, de neurônios a músculo cardíaco. A meta é, em longo prazo, criar tratamentos para doenças hoje incuráveis, como mal de Parkinson e diabetes.
Com os embriões congelados, já será possível dar andamento à pesquisa, mas alguns cientistas defendem que aliar esses estudos às técnicas de clonagem é fundamental, pois permite a criação de tecidos com as mesmas características genéticas de um determinado indivíduo (o que evitaria rejeição, no caso de um transplante) e também permite o estudo de certas doenças genéticas em culturas de células em laboratório.
Os cientistas chamam isso de clonagem terapêutica, procedimento que envolve a criação de um embrião especialmente para pesquisa e que a nova Lei de Biossegurança não permite. É importante não confundi-lo com clonagem reprodutiva -a criação de uma pessoa a partir do DNA de outra-, que tem oposição uníssona de cientistas e religiosos.
Nem todos na comunidade científica estão 100% satisfeitos com a solução a que chegaram os legisladores. "Claro, é melhor estudar os embriões congelados do que não estudar nada", diz Lygia da Veiga Pereira, geneticista colega de Zatz na USP. "Mas, se não pudermos fazer transferência nuclear, só vamos obter linhagens de células-tronco como as que já existem nos EUA. Como as quatro que importamos recentemente de lá para o nosso laboratório."
Segundo Pereira, os cientistas continuarão lutando pela futura liberação das pesquisas com células-tronco de embriões clonados. E, com isso, Zatz concorda. "O que ficou acordado com o Senado", ela diz, "é que o texto passaria assim, sem a clonagem terapêutica, e que depois seria discutida uma outra lei, para versar especificamente sobre esse tema."


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