São Paulo, sábado, 08 de outubro de 2005

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BIOMEDICINA

Brasileiro e polonês acusam revistas de dar espaço apenas para pesquisadores de instituições renomadas

Rico e famoso tem privilégio, afirmam terceiro-mundistas

DO ENVIADO A CHICAGO

Um dos temas mais polêmicos do congresso sobre revisão por pares realizado em Chicago foi a tendência de revisores a privilegiar a publicação de trabalhos de pesquisadores renomados em instituições idem, em particular dos EUA. A discussão pegou fogo, no segundo dia da reunião, após a apresentação de um brasileiro, Danilo Blank, da Sociedade Brasileira de Pediatria. A coordenadora americana da mesa, Annette Flanagin, começou com o pé esquerdo: anunciou Blank como sendo de Portugal.
Blank apresentou seu estudo sobre o "Jornal de Pediatria", periódico médico -em português- que imprime 16 mil cópias distribuídas entre os associados da entidade. Ele mostrou como a revista conseguiu mais que dobrar a quantidade de artigos submetidos a ela por meio de providências como uma versão em inglês pela internet e a inclusão dos artigos no sistema de indexação Medline.
Apesar disso, periódicos como esse são ignorados pela comunidade científica internacional, que só tem olhos para sua classificação segundo "fatores de impacto" (quantidade média de citações de cada artigo publicado). Em revistas de países pobres como o Brasil, ele raramente passa de 1. O da "Cell", por exemplo, é superior a 28, um dos mais altos do mundo.
Cria-se um círculo vicioso, em que revistas de países periféricos atraem poucos artigos porque têm baixo impacto e têm baixo impacto porque não atraem muitos artigos. Outra distorção discutida no congresso foi a tendência de editores dos maiores periódicos a caçar autores e artigos com potencial para serem mais citados, o que ajuda a elevar o fator de impacto da sua publicação.
Diante das acusações de "viés" dos fatores de impacto, levantou-se para defendê-los seu inventor, o americano Eugene Garfield. Disse que não há viés e que prova disso era o fato de a produção científica brasileira em periódicos indexados estar crescendo acima da média mundial (não mencionou o fato de que, ainda assim, ela não chega a 2% do total).
O polonês Piotr Dobosz, da Blackhorse Scientific Publishing de Varsóvia, polemizou com Garfield. Disse que o aumento da produção brasileira era simples de explicar: "Pesquisadores brasileiros tentam publicar aí [nos periódicos indexados de alto impacto] porque alguém decidiu que esses são os melhores periódicos". Na sua opinião, um atentado ao "direito humano à informação" (e à circulação das revistas que ele publica na Polônia, também).
O direito à informação está também na raiz de outro tema polêmico, os periódicos de acesso livre na internet, como os da família "PLoS" ("Public Library of Science"). Não é preciso pagar assinaturas para ter acesso a essas revistas. São os autores que pagam para ter artigos publicados, se puderem (70% a 80% o fazem e custeiam todo o trabalho de revisão por pares e edição). Richard Smith está entre os defensores do novo sistema, que não tinha porém muitos adeptos entre os mais de 400 participantes do encontro.
Só duas pesquisas sobre o impacto do acesso livre foram apresentadas, por Sara Schroter, do "BMJ" ("British Medical Journal"), e Harold Sox, dos "Annals of Internal Medicine". Com dados sobre falta de financiamento de autores na época da submissão de artigos, Schroter questionou se a cobrança não enviesaria ainda mais as publicações em favor de instituições bem-dotadas -sob protestos de Smith, que considerou as conclusões... enviesadas.
Sox apresentou dados de uma pesquisa entre membros do American College of Physicians, entidade médica cuja anuidade inclui uma assinatura dos "Annals", sobre o acesso livre ao periódico: 81% deles disseram que continuariam na associação e só 3,5% declararam a intenção de deixá-la, se pudessem ler sem pagar. Apesar disso, a última transparência da apresentação de Sox dizia: "Editores de periódicos que gostem de seus empregos deveriam experimentar as águas antes de tornar tudo acessível a partir do dia primeiro". (MARCELO LEITE)


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