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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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BIOLOGIA

Levantamento de 35 cientistas aponta novas espécies exclusivas do ecossistema nordestino, antes visto como "pobre"

Estudo reabilita diversidade da caatinga

André Pessoa/Divulgação
Ouriço (Coendou sp.)


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Considerada por muito tempo o primo pobre dos biomas brasileiros, a caatinga esconde uma diversidade de formas de vida insuspeitada e ainda pouco explorada, aponta levantamento inédito liderado pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pela ONG Conservation International do Brasil. São os dados mais recentes sobre a biodiversidade e a ecologia da caatinga.
O trabalho, que sai neste mês em livro de 800 páginas com o título "Ecologia e Conservação da Caatinga", abrange dados sobre quase todos os grupos animais e vegetais do ecossistema nordestino. Além disso, tenta explicar como essas espécies interagem entre si e com a ação humana.
"Nós descobrimos que havia uma lacuna muito grande em relação à caatinga se a compararmos com a Amazônia ou a mata atlântica, por exemplo", diz o biólogo José Maria Cardoso da Silva, 38, vice-presidente de ciência da Conservation International e responsável pela coordenação do trabalho, com Marcelo Tabarelli e Inara Leal, da UFPE.
"Queríamos mostrar que há uma série de questões ecológicas, evolutivas e geográficas importantes a serem tratadas ali", diz Silva, cujo trabalho foi divulgado pela edição deste mês da revista "Pesquisa Fapesp" (www.revistapesquisa.fapesp.br).
Os dados reunidos pela equipe revelaram, por exemplo, que o número de espécies de mamífero na região andou sendo muito subestimado pelos levantamentos anteriores. Com o estudo, saltou de 80 para 143 espécies, das quais pelo menos 20 devem ser endêmicas, ou seja, só existem por ali (antes, a estimativa era de apenas três mamíferos endêmicos).
"Algumas espécies foram descritas recentemente, como o morcego Micronycteris samborni, e outras têm sido reconhecidas como distintas, mas ainda não foram descritas", afirma João Oliveira, 40, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele coordenou o levantamento sobre esse grupo de animais para o livro. Os roedores dominam essa conta, seguidos dos morcegos, mas há registros até da rara onça-pintada (Panthera onca) na área.
Outro grupo importante e cheio de endemismos são os répteis, como cobras, lagartos e anfisbenas (parentes das serpentes que parecem ter duas cabeças) que concentram suas espécies mais características nas dunas do rio São Francisco, na Bahia.

Mosaico ambiental
Ao contrário da imagem clássica de solo esturricado e plantas espinhentas, a caatinga (nome que significa "mata branca" em tupi) abrange um mosaico de ambientes que vão de trechos mais secos e dunas a manchas de cerrado e até trechos de floresta úmida, os chamados brejos.
Tais brejos aparecem, em geral, nas encostas de serras e chapadas. Integram uma espécie de escada ecológica, com o cerrado acima dos brejos e a vegetação mais seca nas regiões mais baixas.
"Esses brejos são essenciais para as espécies da caatinga. Por exemplo, no período seco, o que nós percebemos para a maioria das aves é que elas migram para os brejos e conseguem sobreviver ali até que a chuva venha", conta José Maria da Silva.
Imagina-se que essas áreas de floresta úmida tenham surgido há milhões de anos, quando havia mais contato entre a mata atlântica e o interior do Nordeste. No entanto, elas não são meras cópias da floresta do litoral: "No que diz respeito aos mamíferos, os brejos são bem distintos da mata costeira", diz Oliveira.
"Essas áreas são verdadeiros laboratórios biológicos", diz Silva, que ressalta a importância da criação de reservas na caatinga, que já perdeu vários trechos em séculos de ocupação humana.


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