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Micro/Macro
A busca pela gravitação quântica
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Em física, o lema "quanto mais simples melhor" é muito importante. De
fato, a história das grandes conquistas da
física teórica pode ser recontada como a
história da busca pela unificação de teorias que, aparentemente, não têm uma ligação imediata. A primeira grande unificação da física ocorreu quando o inglês
Isaac Newton demonstrou que a força da
gravidade que faz com que uma maçã
caia no solo é a mesma que faz com que
os planetas girem em torno do Sol.
No século 19, James Clerk Maxwell
mostrou que a óptica e os fenômenos
elétricos e magnéticos são manifestações
de uma única força, a força eletromagnética. Para tal, Maxwell e também Michael
Faraday introduziram o conceito de
"campo", que reflete no espaço a presença de alguma fonte. Por exemplo, um
ímã gera um campo magnético à sua volta, que atrai ou repele outro ímã. Quando
esse ímã entra em movimento, ele também gera uma força elétrica que irá interagir com cargas elétricas à sua volta. De
lá para cá, o conceito de campo passou a
ser essencial em física. Em 1916, Einstein
mostrou que a força gravitacional pode
ser interpretada como uma distorção no
espaço (e no tempo) em torno de um objeto com massa, unificando a geometria
e a gravidade. Ele passou os últimos 30
anos de sua vida procurando uma formulação de sua teoria que unificasse o
eletromagnetismo de Maxwell e a força
gravitacional.
Essa busca pelo "campo unificado"
persiste até hoje, apesar de ela ter avançado em direções que nem mesmo Einstein poderia ter intuído.
Com a exploração das propriedades da
matéria a distâncias cada vez menores,
duas outras forças foram descobertas, as
forças nucleares forte e fraca. Dos anos
60 até os anos 80, físicos teóricos construíram uma teoria unificada das forças
eletromagnética e fraca, criando a força
eletrofraca. Essa teoria deixou claro que
o caráter unificado de diferentes forças
se manifesta quando estudamos a matéria e suas interações em energias muito
altas, o que equivale a distâncias cada vez
menores. Hoje, existem modelos que visam unificar a força forte com a eletrofraca, em energias milhões de bilhões de
vezes maiores que as energias nucleares.
E a força gravitacional? Aí a coisa complica muito.
Isso por causa da ligação da força gravitacional com a geometria do espaço.
Como a mecânica quântica, que é a base
da unificação das outras três forças, mostra, no mundo do muito pequeno nada é
contínuo; tudo se manifesta em pequenos pacotes, ou "quanta". Portanto, para
trazer a gravidade dentro desse esquema
de unificação, ela também deve ser
"quantizada". Como a gravitação está ligada com a geometria do espaço e com a
passagem do tempo, quantizar a gravitação significa quantizar o espaço e o tempo! Ou seja, nas energias absurdamente
altas em que a gravitação é quantizada,
os conceitos de espaço e tempo deixam
de fazer sentido.
Para resolver esse dilema, físicos criaram novas entidades para descrever a estrutura material do mundo, as supercordas. A idéia por trás das supercordas é
que todas as partículas e forças são na
verdade provenientes desses objetos,
que vibram com energias diferentes. Até
o momento, a teoria tem se deparado
com grandes obstáculos matemáticos
que vêm impedindo seu progresso. Mas
pequenos passos têm sido dados e hoje
vemos que existem apenas cinco tipos de
teorias de cordas fundamentais, que se
manifestam como partículas a energias
mais baixas. Essas teorias têm relações
entre si. Claro, o ideal seria ter uma teoria, pois seu limite em baixas energias geraria as quatro forças da natureza.
Mas como explicar o movimento de algo, mesmo uma supercorda, sem a idéia
de espaço e tempo? Como o leitor pode
ver, o desafio continua em aberto.
Talvez, no final desse novo século, tenhamos alguma idéia do princípio fundamental que rege a teoria das supercordas e, com ela, a unificação de todas as
forças da natureza. Ou, perversamente,
teremos descoberto que, conceitualmente, as coisas não funcionam assim; que
nem tudo que é simples e elegante é real.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"Retalhos Cósmicos".
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