São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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ARQUEOLOGIA

Achados em Chipre são ao menos 5.500 anos mais antigos que provas anteriores de domesticação, no Egito

Gato e homem já convivem há 9.500 anos

Ingrid Van Den Berg/Associated Press
O gato africano Felis silvestris lybica, parente mais próximo


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Garfield, Frajola, Gato Félix e Tom não dariam muita atenção a esta notícia. Com o mesmo grau de independência e altivez de seus colegas gatos domésticos menos famosos, eles apenas lembrariam o "óbvio": a importância da convivência com felinos para esse animal desajeitado que nada modestamente se autobatizou como Homo sapiens, "sapiente", mas incapaz de caçar ratos com eficiência, mesmo que estejam com um martelo na mão.
Pois foi descoberta agora a mais antiga prova da coabitação de gatos com seres humanos, na ilha mediterrânea de Chipre, data de nada menos do que 9.500 anos atrás. Ou seja, meros 3.000 anos depois da prova mais antiga da convivência entre cães e seres humanos.
Um túmulo num sítio arqueológico em Shillourokambos continha os restos de um ser humano de cerca de 30 anos enterrado lado a lado com um gato de oito meses de idade.

Sexo desconhecido
Os cientistas franceses responsáveis pela descoberta não tiveram como identificar o sexo dos dois animais encontrados. Mas perceberam, pela disposição dos corpos, que havia uma ligação afetiva e talvez até religiosa entre ser humano e gato. O mesmo era sugerido pelos objetos encontrados ali -ferramentas e objetos de pedra polida, utensílios valiosos na época.
Não há espécies nativas de gato em Chipre. Vários animais foram introduzidos na ilha pelos seres humanos na Idade da Pedra: gatos, ovelhas, porcos, cachorros e raposas.
Antes desse achado, a prova mais antiga da domesticação dos gatos -há 4.000 anos- vinha do Egito. Havia lá até mesmo uma deusa, Bastet, com feições felinas.
Os pesquisadores já suspeitavam que a domesticação poderia ser mais antiga, relacionada intimamente com o início da agricultura. A produção de grãos como trigo e cevada atrai roedores, que por sua vez atraem gatos. O homem logo percebeu que fazia sentido encorajar os gatos a caçarem os ratos para diminuir as perdas na colheita.
Já a domesticação dos cães é anterior, pela associação do animal com uma atividade bem mais antiga que a agricultura, a caça. Há cachorros enterrados 12.500 anos atrás com seres humanos, em Israel. O comportamento gregário dos cães também os torna mais facilmente domesticáveis.

Enterro de honra
A descoberta foi relatada em breve comunicação na revista americana "Science" (www. sciencemag.org) por Jean-Denis Vigne, do Museu de História Natural de Paris, e quatro colegas.
Não havia marcas de raspagem nos ossos do gato, o que indicaria que sua carne teria sido retirada, provavelmente para consumo. O enterro parece ter sido feito simultaneamente ao do ser humano, que poderia ser um chefe ou líder religioso.
Não se sabe como o gato (ou gata) morreu, mas poderia ter sido morto para acompanhar o dono ao além. Os dois estão enterrados com as cabeças apontando para oeste, embora isso possa ser coincidência e não ter significado religioso, dizem os autores do estudo.
As características do esqueleto indicam que era um gato selvagem da espécie Felis silvestris, um felino maior que os de hoje e os domesticados pelos egípcios.


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