UOL


São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUÍMICA

Dupla ajudou a explicar fluxo de água e átomos carregados em tecidos vivos, esclarecendo certos casos de diabetes

Canais das células dão Nobel a americanos

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os dois mais jovens vencedores do Prêmio Nobel deste ano, até agora, ajudaram a resolver um velho problema da bioquímica: como a célula regula a entrada e a saída de substâncias através de sua membrana. Ao esclarecer a estrutura e funcionamento desses canais celulares, os médicos norte-americanos Peter Agre, 54, e Roderick MacKinnon, 47, conquistaram o Nobel de Química.
Os canais de água e de íons (átomos com carga) elucidados pela dupla mantêm alguns mecanismos básicos do organismo humano. Exemplos: os impulsos nervosos, a constância dos batimentos cardíacos e a reabsorção correta de água pelos rins (se prejudicada, causa o diabetes insípido).
Qualquer bagunça nesse sistema extremamente azeitado de transporte molecular pode causar as mais variadas doenças. "Esse tipo de ciência é muito básica, mas ela dá uma contribuição muito grande. Mutações que alteram esses transportadores celulares estão na origem de várias doenças", afirma o médico Marcelo Morales, 34, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Morales trabalhou ao lado de Peter Agre na Universidade Johns Hopkins, no Estado norte-americano de Maryland, entre 1993 e 1995. Ainda colabora com as pesquisas do laureado -tanto que ajudou a organizar sua vinda para o Brasil na próxima semana, para o 5º Congresso Ibero-Americano de Biofísica, que acontece a partir do dia 12 no Rio de Janeiro.
"Ninguém dava trela para ele no começo, porque não se acreditava que houvesse um transportador de água", recorda Morales. Uma série de experimentos bem planejados, no entanto, ajudaram Agre a provar o contrário.
Ele inseriu a proteína que suspeitava ser o portão de entrada da água na membrana de algumas células e deixou outras sem ela. As que tinham a proteína-canal inflaram com a entrada do líquido, enquanto as demais permaneceram com dimensões normais.
A nova proteína, cujo funcionamento foi elucidado em 1992, ganhou o nome de aquaporina-1 (AQP1). Diversas outras foram achadas desde então, em quase todos os seres vivos -prova de que o fenômeno deve ser geral (veja quadro à direita). Nos rins humanos, por exemplo, a AQP1 e a AQP2 ajudam a manter funcionando um sofisticado sistema de reutilização da água corporal.
Se o trabalho de Agre já é dos mais recentes para os padrões do Nobel (que costuma premiar descobertas com décadas de idade), as pesquisas de Roderick MacKinnon, da Universidade Rockefeller, em Nova York, praticamente aconteceram ontem. Foi só em 1998 que o médico e bioquímico revelou a estrutura do canal de íons de potássio, o primeiro a ser explicado em detalhes.
Ninguém entendia como esse íon conseguia adentrar certos canais celulares que não deixavam entrar o sódio, menor, e que portanto deveria passar. MacKinnon matou a charada examinando cristais com a estrutura do canal "congelada": os átomos de oxigênio dentro dele estavam dispostos da mesma maneira que os das moléculas de água fora da célula -e por isso os íons de potássio se difundiam naturalmente.
"O mecanismo de entrada do íon de potássio é essencial para o funcionamento de músculos e neurônios", diz Célia Regina Garcia, 44, do Instituto de Biocências da USP, para quem o trabalho abre perspectivas farmacêuticas.


Texto Anterior: Espaço: China marca data para seu vôo tripulado
Próximo Texto: Premiado pede liberdade de pesquisa na era Bush
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.